Roman Polanski chega aos 80 anos de idade com uma obra tão rica e complexa quanto sua vida pessoal. Nascido na França, em 1933, viu a família voltar para a Polônia de origem quando ainda tinha três anos, pouco antes do início da Segunda Guerra Mundial. No meio do conflito, conseguiu fugir do Gueto de Cracóvia, para onde eram mandadas as famílias judias, enquanto sua mãe morria numa câmara de gás em Auschwitz. Com o fim da guerra, voltou para a Polônia, estudou cinema e, em 1962, depois de realizar alguns curtas-metragens, dirigiu A Faca na Água, seu primeiro longa, que representou o país na disputa pelo Oscar de filme estrangeiro, e lançou os temas e os métodos de seu cinema.
Nos anos seguintes, dirigiu clássicos do cinema como Repulsa ao Sexo e O Bebê de Rosemary, trabalhou com atrizes como Catherine Deneuve, Isabelle Adjani e Mia Farrow, e escreveu seu nome na história. Mas também se viu envolvido numa série de polêmicas. Em 1969, sua então mulher, Sharon Tate, grávida de oito meses, foi brutalmente assassinada pelos discípulos do psicopata Charles Mason, junto com quatro amigos do casal. Polanski se mudou para a Europa, de onde só voltou para dirigir um filme hollywoodiano, um de seus mais famosos, Chinatown, com Jack Nicholson e Faye Dunaway.
O longa concorreu a dez Oscars, mas o prêmio só viria quase 30 anos depois, por O Pianista, seu filme mais convencional, que retrata a trajetória de um judeu durante a Segunda Guerra. A premiação foi surpreendente porque o cineasta, desde 1978, estava proibido de pisar em solo americano por ter supostamente estuprado uma menor de idade. Apesar de ter assumido que teve relações com a adolescente, de 13 anos à epoca, Polanski garantiu que o sexo foi consensual. Como fugiu do país antes da acusação, Polanski não havia sido preso pelo crime, mas em 2009, durante um festival de cinema na Suíça, o cineasta foi detido e passou cerca de um ano em prisão domiciliar.
Dono de um Oscar, uma Palma de Ouro em Cannes e um Urso de Ouro em Berlim, Polanksi continua a produzir. Nos últimos quatro anos, dirigiu três longas: O Escritor Fantasma, Deus da Carnificina e o ainda inédito no Brasil, Venus in Fur, estrelado por sua mulher desde 1989, a atriz Emmanuelle Seigner. O próximo projeto do diretor é D, thriller em que visitará o famoso Caso Dreyfus, escândalo político francês em que um oficial de artilharia foi condenado à prisão perpétua por acusações de alta traição, que depois se provaram falsas. Para homenagear os 80 anos de um dos cineastas mais controversos da história, o Filmes do Chico organizou um Top 10, com os melhores filmes de Roman Polanski. Deixe sua lista nos comentários ou vote aqui na enquete.
10 Tess – Uma Lição de Vida ½
[Tess, 1979]
Ao lado de O Pianista, este é o filme mais formal de Roman Polanski. O diretor realizou o longa porque ganhou da mulher, Sharon Tate, uma cópia do livro de Thomas Hardy, que disse que aquilo daria um grande filme. O mais curioso é observar como o cineasta tenta colocar seus temas – principalmente o desejo sexual e a sensação de clausura – dentro de um projeto de estrutura tão clássica. A fotografia de Ghislain Cloquet e Geoffrey Unsworth transforma cada imagem numa pintura, onde a beleza de Nastassja Kinski ganha uma moldura assombrosamente linda. Embora pareça bastante diferente do resto de sua obra, Tess guarda uma semelhança com boa parte dos filmes do diretor: a personagem é condenada pelo cenário opressor que está em sua volta. Aqui, este cenário não é físico, mas uma espécie de materialização da época e do contexto social em que ela vive.
9 A Dança dos Vampiros ½
[The Fearless Vampire Killers or: Pardon Me, But Your Teeth Are in My Neck, 1967]
Este filme tem a melhor performance de Roman Polanski como ator numa de suas obras. Esta comédia despudorada radicaliza o que o diretor já havia feito em Armadilha do Destino. A ideia aqui é subverter o gênero do terror na base do pastiche, reunindo e reciclando diversos clichês sobre vampiros. Se Sharon Tate impõe sexualidade a todas as cenas em que aparece, Polanski e Jack MacGowran estão deliciosamente ridículos e protagonizam gags que combinam bem a natureza cômica do filme com o macabro do ambiente, como na cena em que o personagem de Polanksi dispara para tentar fugir de um vampiro para encontrá-lo no minuto seguinte. O cineasta ri daquele universo na mesma medida em que respeita suas regras e sua mitologia, com algumas liberdades, como mostra a cena final.
8 Armadilha do Destino ½
[Cul-de-Sac, 1966]
Tudo é tão insólito nesta primeira incursão de Roman Polanski pelo terreno da comédia que não dá para cobrar lógica de fatos e dos personagens. O diretor parece imbuído do espírito livre que tomava o cinema europeu na época e não explica muita coisa, deixando ainda mais nonsense o encontro entre dois gângsters em fuga e um casal que mora num palácio à beira-mar. Theresa, personagem de Françoise Dorléac – irmã de Catherine Deneuve, que morreu um ano depois do filme – é quem mais incorpora o esse estado de inquietude que Polanski impõe à trama, à montagem e à trilha sonora. Embora tudo pareça estar a um passo de desmoronar, Polanski filma tudo com tanto rigor e inteligência que o castelo se transforma num microverso caótico onde os personagens não se prendem a regras, mas estão estranhamente confinados uns aos outros.
7 O Escritor Fantasma ½
[The Ghost Writer, 2010]
É o filme que recupera Polanski para suas temáticas e métodos depois de projetos mais clássicos como O Pianista e Oliver Twist. Ewan McGregor interpreta um ghostwriter encarregado de escrever a biografia do ex-primeiro-ministro britânico vivido por um excelente Pierce Brosnan. O protagonista é lançado num ambiente silencioso de conspirações e se percebe, como tantos outros personagens do diretor, refém de uma situação da qual não consegue escapar. A trilha do ótimo Alexandre Desplat cria um estado de perigo iminente, reforçado pelas cores escuras do filme. Numa das cenas mais incríveis deste começo de década, papéis voam pelo ar, traduzindo o pessimismo de Polanski para com o mundo, mas enchendo os olhos de quem ama e sentia falta de seu cinema.
6 A Faca na Água ½
[Nóz w Wodzie, 1962]
O primeiro longa-metragem de Polanski é uma poderosa história sobre o quanto a chegada de um estranho pode dizer sobre o que existe entre um homem e uma mulher e sobre o comportamento humano. O encontro de Andrzek e Krystyna com o jovem sem nome que pede carona – que é quase atropelado por eles na estrada – se transforma num campo fértil para uma batalha de classes e um conflito de gerações. O texto – tão impiedoso quanto as imagens claustrofóbicas de Polanski (e olhe que estamos num barco) – é uma versão mais complexa do diretor para uma disputa primal de machos por uma fêmea e um tenso embate verbal por território (seja um barco, seja uma história de vida). No fim das contas, estamos diante de um duelo pela sobrevivência, onde o mais velho teme a finitude e o mais outro persegue a vida alheia.
5 Lua de Fel
[Bitter Moon, 1992]
Lua de Fel é um filme em que a preocupação com fronteiras não existe. Polanksi não raramente invade o terreno do kitsch, dos romances sensuais, do sexo verbal, e transforma a morbidez da relação entre os personagens de Peter Coyote, excelente, e Emmanuelle Seigner, lindíssima, num prato cheio para o voyeurismo do espectador, que aos poucos passa a se identificar com Nigel, o personagem de Hugh Grant. Entendiado com seu casamento corretinho com Fiona, Kristin Scott-Thomas, ele se vê atraído pela luxúria que o casal da cabine ao lado emana e, a partir disso, Polanski costura um jogo onde satisfazer o desejo está em primeiro plano. Para embalar um produto desta natureza, o cineasta não poupa referências a romances femininos de banca de revista, filmes eróticos e melodramas mexicanos com reviravoltas espetaculares. Tudo isso junto deu muito certo.
4 Repulsa ao Sexo
[Repulsion, 1965]
Repulsa ao Sexo tem algumas das imagens mais perturbadoras do cinema de Polanski e talvez do cinema de terror. A deterioração psicológica da protagonista – uma lindíssima Catherine Deneuve em começo de carreira – ganha forma em cenas que até hoje impressionam por sua realização. A maneira como Polanski administra a aversão que Carol, a personagem, desenvolveu aos homens parece ser uma resposta, em maior ou menor grau, ao tratamento da mulher como objeto sexual, como se o trauma resultasse não de um evento específico, mas fosse consequência de séculos de História. A construção do delírio de Carol é tão realista que o espectador é frequentemente colocado à prova neste brilhante thriller psicológico. Onde termina a alucinação e começa a realidade?
3 O Inquilino
[Le Locataire, 1976]
Existem alguns momentos de terror puro em O Inquilino. Polanski concebe um punhado de imagens macabras para dar forma ao pesadelo do protagonista. Este talvez fosse um personagem mais forte se fosse vivido por outro ator que não ele mesmo, mas, em sua pele, Trelkovsky ganha uma debilidade que talvez traduza sua alucinação. Existe um duplo interessante no filme: enquanto a narrativa kafkiana, opressora, tenta esmagar o personagem, a maneira que ele encontra para escapar é justamente assumir a transformação pela qual ele julga estar sendo perseguido. Como não tem pudores em expor o protagonista, o filme flerta com o ridículo de maneira aberta o tempo inteiro, o que parece estar na proposta de Polanski, que se utiliza fartamente de elementos surrealistas e referências hitchcockianas. O resultado é um filme que usa o bizarros de forma assustadoramente real.
2 O Bebê de Rosemary
[Rosemary’s Baby, 1968]
Neste filme, Polanski rejeita os truques habituais dos longas de terror e cria o suspense a partir da ausência. A trilha macabra de Krzysztof Komeda é usada com discrição, deixando o silêncio materializar a angústia da protagonista na maioria das cenas. O cineasta trabalha a partir do estranhamento, sempre surpreendendo o espectador e frustrando suas expectativas, como na sequência em que Rosemary foge de seus perseguidores ao som de jazz. A fragilidade de Mia Farrow ajuda a alimentar o desespero, ainda mais diante das figuras aterrorizantes de Ruth Gordon e Sidney Blackmer, ambos excelentes, servindo a um certo propósito alucinógeno do diretor. Polanski utiliza o espaço como um covil. Desde a primeira cena, o espectador já é convidado a rejeitar a morbidez do prédio, o mesmo onde John Lennon foi morto, e, como 90% do filme se na passa nele, a sensação de incômodo nunca acaba. Isso ocupa o vazio deixado pela ausência de sustos, que praticamente não existem, mas que não fazem falta diante da maneira como o diretor pavimenta silenciosamente a chegada do filho das Trevas.
1 Chinatown
[Chinatown, 1974]
O desfecho de Chinatown está entre os momentos mais cruéis de um filme de Roman Polanski. Embora já tivesse dirigido pelo menos um filme totalmente americano, O Bebê de Rosemary, foi aqui que ele chegou no coração de Hollywood, recriando um de seus gêneros mais clássicos, o noir. Recriando mesmo. Porque, se combina um protagonista que passa mais da metade do filme de nariz quebrado e uma femme fatale de moral questionável, o cineasta quebra as regras do noir com um filme rodado basicamente durante o dia e dono de uma fotografia luminosa, que se aproveita da luz natural da Califórnia. O texto de Robert Towne articula com um refinamento que muitas vezes falta ao gênero as reviravoltas e revelações da trama, que surgem em momentos de choque, mas que são orquestrados tão bem pela direção que se tornam críveis, possíveis, assustadores. Jack Nicholson está especialíssimo, mas Faye Dunaway aparece deslumbrante e John Huston é um monstro.
Outros filmes de Roman Polanski: Deus da Carnificina [2011], Oliver Twist [2005], O Pianista [2002], O Último Portal [1999], A Morte e a Donzela [1994], Busca Frenética [1988], Piratas [1986], Quê? [1972] e A Tragédia de Macbeth [1971].
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Virei fã de Polanski quando vi A Dança dos Vampiros.
E falando no Polanski como ator eu assisti a muito tempo na TNT um filme que pouco gente viu pois ele é dificil de encontrar. Se chama “Uma simples formalidade”, estrelado por Gerard Depardieu e Polanski. Um policial dirigido por Giuseppe Tornatore . Muito boa a lista Chico, todo cinefilo que se preze gosta do Polanski.
PIRATAS é um grande filme, vale a pena rever.
gostei do destaque a “lua de fel”, um belo filme injustamente desprezado (ok, não injustamente, to each his own, mas apreciei a defesa dele).