Hoje Eu Quero Voltar Sozinho

A homossexualidade parece finalmente ter encontrado caminhos de representação no cinema. Nos últimos anos, os filmes gays deixaram o peso da militância em prol de uma pluralidade de discursos e análises que tentam traduzir uma incrível variedade de personas e comportamentos. Da aspereza de Um Estranho no Lago ao realismo ostensivo de Azul é a Cor Mais Quente, passando pela libertinagem poética de Tatuagem, muitos trabalhos, de cineastas experientes ou diretores estreantes, gays ou não, transformaram a maneira como o audiovisual representa o homossexual. Não estamos mais numa época em que o cinema gay pertence exclusivamente à causa gay. O cinema gay, hoje, pertence ao cinema.

Embora as questões permaneçam as mesmas, é possível identificar um avanço na abordagem. Um Estranho no Lago é, em sua essência, um filme sobre desejo sexual e não um filme sobre pegação gay. Azul é a Cor Mais Quente devassa não uma relação lésbica, mas uma relação de amor. E Tatuagem é sobre liberdade num sentido muito mais amplo do que a liberdade de escolher um parceiro do mesmo sexo. Desta forma, seguindo uma lógica muito parecida, outro filme brasileiro chega aos cinemas relatando a descoberta do primeiro amor – e não necessariamente a primeira vez em que um menino se apaixona por outro menino. Um obra que tenta conversar com um público mais amplo, aquele que se emociona com um romance simples e delicado.

Hoje Eu Quero Voltar Sozinho não faz nenhuma estripulia, não traz grandes novidades. Estamos diante da história do encontro entre Leo e Gabriel. Um é um adolescente cego, que vive as aventuras e desventuras comuns à vida colegial. O outro é um jovem recém-chegado à cidade grande. Ambos tentam descobrir o mundo, quando, de repente, acham um ao outro. Há maneirismos, lugares comuns, cenas que não se desenvolvem completamente, momentos truncados, mas se sobrepõe a isso uma visão que parece inocente, mas que diz muito sobre o que pretende o cinema de temática gay hoje em dia: este é um filme sobre diferenças, mas a homossexualidade é apenas um detalhe. Ela faz parte de um pacote. As diferenças são ressaltadas o tempo inteiro, mas o próprio protagonista brinca com elas.

O longa de Daniel Ribeiro é uma versão estendida de um curta dirigido pelo cineasta há quatro anos. Eu Não Quero Voltar Sozinho ganha em comparação com seu descendente: é um filme melhor que, em 17 minutos, desenvolve os personagens de maneira singela e resolve a trama com delicadeza e soluções simples. A versão em longa-metragem traz os mesmo trio de protagonistas, Ghilherme Lobo, Fabio Audi e Tess Amorim, que interpreta a única amiga de Leo, Giovana, mas apresenta novos personagens e situações. Algumas cenas parecem espichadas do curta e outras, que mudam algumas das resoluções originais, deixam a desejar no desenvolvimento da trama.

A virtude do longa está mais no conjunto do que em momentos específicos, mas algumas cenas novas não apenas amenizam o reaproveitamento de ideias, como são extremamente representativas do recado que o diretor quer passar. Daniel Ribeiro não procura aceitação para seus personagens, mas quer que eles sejam amados pelas pessoas que são. Uma cena simples e bonita que diz muito do filme é aquela em que o pai, vivido por Eucir de Souza, ensina o filho a se barbear, ao mesmo tempo em que questiona o filho sobre o motivo dele querer fazer intercâmbio fora do país. O recado está implícito. Sem alarde. Há alguns momentos bem delicados na meia hora final do longa que fazem crescer tanto o filme quanto seus personagens. A catarse da cena que encerra a trama, a única em que o filme sai do armário, mais do que um panfleto é uma bela maneira de resolver uma história de amor.

Hoje Eu Quero Voltar Sozinho EstrelinhaEstrelinhaEstrelinha
[Hoje Eu Quero Voltar Sozinho, Daniel Ribeiro, 2014]

Assista ao curta que deu origem ao filme:

Comentários

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2 comentários sobre “Hoje Eu Quero Voltar Sozinho”

  1. Observei que a lista dos TOP 40 não incluiu ” Hoje eu quero voltar sozinho”. Lendo sua crítica ao filme, percebo que há um certo descontentamento (não só da sua parte como de outros que assistiram ao filme) na falta de abordagem explícita da homofobia. Debater o preconceito precisa ser sempre a bandeira de todo filme gay? É claro que sabemos como a homofobia é latente na sociedade, mas o filme mostra um garoto que é tido por todos como dependente, por ser cego, então sua aproximação com um amigo não causa tanto estranhamento a quem os rodeia (e o longa ressalta essa suposta dependência a cada 5 minutos). Outra crítica: ninguém vê um deficiente visual como alguém sexualizado e a abordagem do filme, ao revelar que a atração está acima do plano visual , provoca questionamentos nos mais conservadores. Como alguém que não vê o sexo oposto e não sente uma atração física baseada na erotização do corpo pode ser gay? Não que seja uma obra prima, mas , ao meu ver, esperar que todo e qualquer filme gay tenha maior enfoque na homofobia, torna qualquer filme politizado demais, tirando a essência sentimental e individual dos personagens.

    1. Antonio, não é bem isso. O curta “Eu Não Quero Voltar Sozinho”, do qual o longa é uma versão estendida com algumas diferenças é uma obra-prima, mas para mim o longa tem algumas cenas que não se desenvolvem a contento. Eu até iria colocar o link pro curta como bônus, mas resolvi tirar todos os curtas.

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