The Rover

John Hillcoat, que nunca leia este texto, mas faz algum tempo que o cinema australiano não tinha um diretor tão promissor quanto David Michôd. Há quatro anos, o cineasta apresentou seu primeiro filme, o excelente Reino Animal, obra que chamou a atenção e arrebatou elogios e prêmios por onde passou. O antiépico conto sobre uma família de criminosos resgatou Jackie Weaver, “revelou” Joel Edgerton e Sullivan Stapleton e, mais do que tudo isso, deu um novo fôlego a uma temática que havia caído num imenso poço de lugares comuns. O diretor emprestou a aridez das paisagens de seu país para dar o tom da relação entre uma mãe e seus filhos e entre uma família e o mundo. Impregnado de uma melancolia masculina bem diferente da maioria dos filmes destes tempos atuais, mereceu um lugar na lista de melhores primeiros longas de todos os tempos (veja aqui).

Não era de se esperar pouco de seu trabalho seguinte e The Rover, embora não tenha metade do impacto de seu filme de estreia, traz um dos cinemas mais interessantes que chegaram ao circuito brasileiro neste ano. Michôd, que escreveu o argumento original com seu parceiro Joel Edgerton, dá vida a um despretensioso conto sobre o acaso em pleno deserto australiano, que assume tanto um certo espírito de faroeste moderno quanto reformula elementos de filmes sobre anti-heróis solitários. O letreiro inicial indica que esta história se passa dez anos após um colapso financeiro global, mas as referências não vão muito além disso. O status do personagem vivido por Guy Pearce é o de homem desolado por sua própria história, um passado que será informado em golpes lentos e nunca muito exatos para o espectador. Sua natureza misteriosa virá à tona quando uma gangue roubar seu carro e ele inesperadamente se juntar ao irmão do líder do grupo, deixado para trás.

A caçada que virá a seguir e que o título brasileiro didaticamente adiciona ao original, algo como “O Vagabundo”, mostra que Michôd flerta com uma série de gêneros e temáticas que são velhas conhecidas do espectador, mas que formam uma colcha de retalhos esquisita e, por isso mesmo, muito interessante. Os cenários desolados, que reforçam os efeitos da crise, remontam aos desertos de um parente distante de The Rover, o policial Mad Max, mais distópico, mas que também se dedica a mostrar uma sociedade que tenta se reestruturar depois do caos. Os personagens que o protagonista encontra às margens da estrada parecem retirados de filmes de terror sobre vilas macabras e a determinação do personagem em encontrar seus inimigos remete às caçadas de uma série de westerns intimistas, onde o filme parece se inspirar.

Guy Pearce emula uma série de anti-heróis silenciosos, que têm sido redescobertos pelo cinema recentemente, mas adiciona a essa herança o peso de um homem com um passado trágico que parece sempre prestes a explodir. O ator, que já havia feito uma participação menor em Reino Animal, tem aqui sua melhor e mais desafiadora interpretação desde o Monty Beragon da série Mildred Pierce, mas se vê ofuscado por seu colega de elenco, Robert Pattinson. O ex-vampiro da Saga Crepúsculo, que parece firmemente dedicado a mudar os rumos de sua carreira, faz o parceiro inusitado do protagonista, o irmão com limitações intelectuais do líder da gangue. Pattinson encontra uma maneira exata e discreta para caracterizar seu personagem apostando em movimentos de corpo e expressões faciais bem surpreendentes para o que seu talento tinha nos oferecido até agora.

A estranha comunhão entre os dois personagens nasce de uma química inusitada entre os dois atores e oferta ao espectador um mínimo de conforto, aquilo que os cenários e a trajetória de The Rover insistem em negar desde os créditos iniciais. Estamos num mundo sem perspectivas, em que nunca temos a verdadeira dimensão das tragédias, sejam elas macro ou microscópicas e encontrar um parceiro, se não alivia o desespero, ao menos ajuda a alimentar o instinto de sobrevivência. Segundo David Michôd, em tempos de catástrofe, de perda de parâmetros, é preciso ter um objetivo para encontrar sentido para esta caminhada por um futuro tão incerto, mesmo que este objetivo pareça minúsculo ou esteja trancado no porta-malas de seu carro.

The Rover – A Caçada EstrelinhaEstrelinhaEstrelinha
[The Rover, David Michôd, 2014]

https://www.youtube.com/watch?v=0BJ2O9hEJ1E

Comentários

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2 comentários sobre “The Rover – A Caçada”

    1. Luis,
      o cachorro que ele enterrou era na verdade o motivo pelo qual ele iniciou a caçada, pois diferentes do humanos que aparecem no filme, o cachorro é o único ser leal que existia para ele, e merecia um enterro digno

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