O filme-manifesto é uma tendência inegável no recente cinema brasileiro. Os novos cineastas parecem estar muito dispostos a ir de encontro aos status quo. Mas os meios que utilizam para seus intentos geralmente combinam discursos fatalistas e imagens e textos supostamente radicais e chocantes. Talvez o mais bem sucedido desta linhagem pretensamente nobre da filmografia nacional é o medíocre Amarelo Manga, de Cláudio Assis, dono de uma metodologia tão primária quanto as frases de efeito que o próprio diretor não se envergonha de recitar numa dasa cenas.

As sucessivas visitas a este campo, comumente um espaço panfletário onde a estética de choque dos filmes mais chama atenção para os próprios do que para as questões que eles levantam, geram ou obras medianas como Contra Todos, do professor universitário Roberto Moreira, uma reciclagem mal filmada do que o longa de Assis, ou a barbárie total que é Cama de Gato, de Alexandre Stockler, sem dúvida o pior filme que o Brasil já produziu.

Nesse contexto, um filme cuja sinopse é a criação de uma comunidade alternativa por pessoas à margem, regada a golpes e sexo muito livre, qual seria a expectativa? Algo como – que medo! – Os Idiotas, do Lars Von Trier? Bem, não é o caso. O longa de José Eduardo Belmonte está alguns muitos passos à frente de todos os filmes citados. Para começar, é um filme que não tem um foco tão claro (Brasília seria este foco, mas o filme não entende Brasília como uma cidade, mas como uma condição, o que deixa o alcance muito mais amplo e muito menos direto). Além disso, não existe o tom de revolução ou revelação. As personagens ali não têm missões de denúncia, tanto que a comunidade nunca se é realmente levada a sério.

Se não oferece respostas, sequer perguntas, A Concepção se apresenta muito mais como experiência, rito de passagem, do que como ato de transgressão. Belmonte não parece disposto a dar muito discurso a seu movimento. Há outros interesses prioritários. Um deles, bem básico, é priorizar uma linguagem cinematográfica. A câmera, por exemplo, assume a condição trôpega de quem mostra. O roteiro se preocupa muito mais em acompanhar as personagens nos espaços libertários que elas desenham para si mesmas. A organização dessa coleção de histórias cabe à melhor montagem do ano, que funciona mais a favor do processo em si do que da construção de uma historinha.

O filme de Belmonte dilui a necessidade do concreto. Curioso num trabalho que parece tão físico, mas na verdade está em outro plano. O longa é muito feliz na representação da libertação que o grupo tanto busca, do tal “morrer a cada dia”. O filme assume essa idéia em sua própria forma, se liberta de prisões narrativas, explicações e regrinhas espaço-temporais. Anacrônico e anti-espacial, A Concepção parece fazer parte de um cinema brasileiro em evolução, que alcançou um patamar à parte. Tão particular que muita gente parece não tê-lo entendido e resolveu escrever sobre outro filme. Provavelmente vão passar vergonha – e se forem espertos talvez mudem de opinião – daqui a algum tempo quando este filme for chamado de marco. Não é sempre assim?

A Concepção
direção: José Eduardo Belmonte.
roteiro: Luís Carlos Pacca e Breno Álex.
elenco: Milhem Cortaz, Rosanne Holland, Juliano Cazarré, Matheus Nachtergaele, Murilo Grossi, Gabrielle Lopez.
fotografia: André Luís da Cunha. montagem: Paulo Sacramento e José Eduardo Belmonte. música: Zepedro Gollo. desenho de produção: Akira Goto. figurinos: Fabrícia Mancuso. produção: Paulo Sacramento e Lili Bandeira. site oficial:
a concepção. duração: 96 min. a concepção, brasil, 2006.

 

nas picapes: [Rosemary’s Baby, Fantomas]

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23 comentários sobre “A Concepção”

  1. Achei “A concepção” muito legal!!! Acho que realmente é um grande marco!!! Adoro a atriz Rosanne Mulholland ( aqui como Rosanne Holland)

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