É tão difícil defender o que você ama incondicionalmente. Você percebe todos os problemas que os outros apontam, mas as qualidades, elas te parecem tão superiores que você os minimiza ou os ignora. Seu eleito é imperfeito, mas é seu. Você o escolheu assim que colocou os olhos nele e é natural que queira defendê-lo, afirmá-lo e celebrá-lo. O cinema é meu refúgio e quando eu separo um filme para ser meu, eu posso soar até arrogante ao expressar minhas razões para amá-lo, coisa que eu sempre faço por escrito porque sou um péssimo orador.
Com A Dama na Água foi exatamente assim. Assisti ao filme numa pré-estréia para uma platéia de convidados que gostam de pré-estréias, mas nem sempre gostam de cinema. Fui sozinho e parece que saí do cinema apaixonado igualmente sozinho. Estava encantado com a defesa da fábula, com a celebração do conto de fadas. O primeiro grande motivo para não se gostar deste filme é que qualquer coisa que pareça pertencer ao universo infantil soa quase sempre menos interessante do que elementos do que pode se chamar de um mundo de adultos.
A lei da natureza é assim. A infância é saudada com uma nostalgia do que deve permanecer no passado. Trazê-la para a experiência mais imediata do homem adulto é comumente assimilada como uma tolice. E o que M. Night Shyamalan faz em A Dama na Água é assumir o conto, aumentar um ponto e visitar o lúdico sem o menor pudor ou vergonha. Foi a paixão que o diretor libera pelo universo infantil em cada explicação desleixada, em cada reviravolta atrapalhada que me despertou um interesse inédito por uma de suas obras.
Ao contrário do que fez em A Vila (2004), quando a desconstrução surge como negação da história e como possível golpe de marketing disfarçado de questionamento político, em seu último filme o indiano decanta essa história, desmembra seu conjunto de enredos e personagens, para afirmá-la. A partir de uma história contada para seus filhos, Shyamalan se mostra um defensor do mágico e não do truque, como vinha se desenhando até então. E para que essa história dê certo, ele cobra apenas uma coisa do espectador: acreditar. Um preço muito caro.
Ninguém precisa estar disposto a acreditar. O esforço pode ser deveras musculoso para alguém, digamos, mais sério. É preciso se doar muito para gostar deste filme lento em que, numa revisão, fica muito claro o interesse de seu diretor pelo processo. O processo de montar e contar uma história. É nesse processo que Shyamalan comete seu primeiro grande pecado, vingar-se dos críticos que tinham torcido o nariz para Corpo Fechado e que resolveram interpretá-lo em A Vila. Pecado que fica flagrante na fala de Jeffrey Wright sobre o assunto. Um constrangimento desnecessário já que tudo que a personagem em questão promove poderia estar lá de maneira diferente.
Sua outra grande falta foi querer ser ator e, cada vez mais, ter um papel maior em seus filmes. Shyamalan é um intérprete medíocre e precisa enxergar isso antes que prejudique seus próprios filmes. Um personagem como Vick merecia um grande ator. Como Cleveland mereceu um maravilhoso Paul Giamatti, em sua interpretação mais delicada. É de seu confronto com a fábula que sai grande parte da força deste filme. Não acho que Cleveland não questiona a história mágica que se escreve em sua frente porque precisava se apoiar em algo, mas porque estava disposto a acreditar.
Exatamente como eu, que quase fui às lágrimas em vários momentos da projeção e que quase repito o vexame ao reassistir ao filme em casa. Bem, não para chamar de vexame sentir-se tocado por um filme e querer defendê-lo, afirmá-lo e celebrá-lo. Ninguém precisa concordar, inclusive, porque a questão não é ter entendido um filme. É ter se apaixonado de novo mesmo tendo enxergado todos os problemas que os outros apontaram e os minimizando ou ignorando em prol das qualidades que se vê nele. A Dama na Água é um filme que eu escolhi. É imperfeito, mas é meu.
Eu saí do cinema maravilhado, louco pra chegar em casa e fazer um texto enorme sobre ele.
Quando assisti a primeira vez (no cinema) o filme terminou já era quase 2 da manhã… e fiquei intrigadíssimo com o filme, me perguntando será que eu gostei mesmo ou eu tava sonhando?
Fui ao cinema de novo e tive a certeza de estar num mundo mágico. Mas não era um mundo mágico qualquer, era o mundo mágico de Shyamalan…
Avião é baratinho hoje em dia…
Se a distância não fosse empecilho eu pegava aí contigo, aproveitava e batia um bom papo! 🙂
Mas na locadora aqui do lado eu assinei aqueles planos de quantos filmes eu conseguir ver por mês, então não tem despesa extra 😛
Quer emprestado? Eu comprei…. hehe. Nos extras tem uma brincadeira com o crítico.
Aumentou meu desejo de ver o filme, acabou de se tornar um daqueles casos de ‘putz, não acredito que ainda não vi!’
Não perdeu os detalhes, as nuances? se bem os scrunts devem ter ficado mais assustadores…
Minha experiência com o filme foi ótima. Vi dentro de um avião com turbulência, hehe.
Gosto bastante de como o filme se propõe a desconstruir os processos de uma estória e de revelar seis maecanismos.
Adoro esse filme. Principalmente porque a história é o personagem principal. Não a toa a protagonista tinha esse nome…