A cena que abre A Mulher na Fossa sugere que o espectador verá mais um filme de conteúdo social que a cinematografia das Filipinas produz aos montes todos os anos. O cenário é uma grande favela da capital Manila. A protagonista se revela no corte seguinte: Mila é uma mãe de família que cuida com dificuldade de seus 7 filhos e que, para sobreviver, precisa tomar atitudes drásticas. Mas Marlon N. Rivera, que assina sua estreia na direção de um longa, tinha planos mais ambiciosos do que “apenas” descortinar a miséria de seu país.
O filme já nasce “retrancado” em sua primeira imagem. “Seqüência 35. Externa. Dia”. Uma artimanha de cinéfilo, aparentemente exibicionista (e aparentemente inútil), mas que se justifica ao longo das cenas seguintes, a ponto de tornar o principal diferencial do filme. Sem abandonar a observação sobre seu país, Rivera abre o leque para fazer outra denúncia. Ele mira nos cineastas que se alimentam da condição sócio-econômica das Filipinas para criar uma fórmula de cinema que tem como alvo festivais e repercussão internacionais.
Essa denúncia não soa como mera provocação porque o filme se auto-ironiza o tempo inteiro. A cena em que diretor, produtor e assistente de produção do filme dentro filme se reúnem num café para pensar o longa é um belo exemplo. A montagem acompanha as ideias do roteiro, que, sob o pretexto de causar comoção, experimenta mudanças de protagonistas, velocidade, tom e gênero. Embora exagere na caricatura de alguns personagens e em piadas como a enorme seqüência musical, Rivera quase sempre acerta.
A entrada em ação de Eugene Domingo, ousada, interpretando uma versão bizarra de si mesma, dá um novo gás ao filme. A atriz, uma das mais famosas das Filipinas, é brilhante. Ela representa o choque entre os cineastas independentes e a indústria. A cena em que ela distingue as três maneiras de um ator interpretar é um dos momentos mais hilariantes do filme. O humor que dá o tom do longa é um dos maiores acertos de Rivera. Se ele apostasse na crítica por si só soaria pedante.
Duas grandes sacadas são deixadas para o final: a visita dos cineastas à favela, que desconstrói a imagem que o filme pintava deles e mais uma vez faz piada sobre performances, e a cena pós-créditos, que justifica o longa como um todo. Mesmo que cometa seus pecados, A Mulher na Fossa é um filme raro, que merece um lugar de destaque na produção homogênea de um país.
A Mulher na Fossa ½
[Ang Babae sa Septic Tank, Marlon N. Rivera, 2011]