Quem acompanha a filmografia do britânico Ken Loach sabe que sua área de atuação como cineasta, quando não abraça fatos políticos-históricos, passa necessariamente por um questionamento da incapacidade de seu país de oferecer um destino melhor para os cidadãos. Os heróis de seus filmes são os ingleses médios, o proletariado, que têm suas histórias contadas em dramas pesados, com forte conteúdo social e uma visão sem perspectivas do futuro.
Por isso, A Parte dos Anjos, seu trabalho mais recente é de um frescor impressionante na obra do cineasta. Embora mantenha o inglês suburbano como protagonista e reafirme suas crenças na falha do sistema, o filme é uma comédia – surpreendentemente otimista – sobre desempregados que cumprem serviços comunitários depois de terem cometido diferentes delitos e armam um plano que pode mudar sua vidas.
O roteiro assinado por Paul Laverty, colaborador de Loach em nove filmes, mesmo tratando dos mesmos temas de sempre, tem um texto tão leve e simples que dá ao longa o caráter humanista que o diretor tanto persegue em seus trabalhos – que muitas vezes têm um quê sindicalista que afasta o espectador. Livre da obrigação de fazer um panfleto, Loach parece muito à vontade, abrindo espaço para que os atores conquistem o público pela identificação e pelo deboche. O destaque vai para Gary Maitland, cujo personagem Albert é dono das cenas mais engraçadas do filme. Em especial, uma com a “participação especial” da Mona Lisa.
O cinema popular que o diretor comete em seu novo filme é algo que Loach ensaiou em À Procura de Eric, comédia de cunho social lançada há três anos, mas sem a metade do talento que ele encontra agora. A Parte dos Anjos se passa no mesmo mundo em que o diretor filmou Meu Nome é Joe ou Pão e Rosas, filmes sérios, sisudos, pesados. O jato de luz que o cineasta se permite lançar sobre seus novos personagens, todos condenados a um futuro tão difícil quanto os outros criados por Loach, se revela mais eficiente do que o retrato desesperançado da Inglaterra que este autor costuma pintar.
A Parte dos Anjos ½
[The Angel’s Share, Ken Loach, 2012]
O “frescor” é pelo fato de que dessa vez não são ingleses, e sim escoceses – de saia, uhaahuahauahua