À Prova de Morte

Não existe uma razão minimamente aceitável para que um filme de um diretor como Quentin Tarantino tenha permanecido inédito no circuito comercial brasileiro por quase três anos. À Prova de Morte foi exibido na Mostra de Cinema de São Paulo em outubro de 2007 e, desde então, viu sua data de estreia ser adiada várias vezes até que, finalmente, teve que trocar de distribuidora para chegar aos cinemas. Uma estupiez que privou o público brasileiro de um filmaço.

O longa faz parte de um projeto em conjunto com o parceiro de velha data do cineasta, Robert Rodriguez, o filme duplo Grindhouse (a metade de Rodriguez, Planeta Terror, já foi até lançada em DVD). E, a princípio, este é o filme menos pretensioso de Tarantino, uma homenagem aos filmes de velocidade dos anos 70 que se ocupa muito pouco – ou quase nada – com aquele desfile de referências à cultura pop típico da filmografia do diretor. A verborragia continua, mas, nos primeiros 40 minutos de filme, assume a forma de um imenso girl talk.

Sexo, claro, é o assunto principal. E os diálogos, baratos, são deliciosos, inspirados explicitamente nos filmes descrebrados que Tarantino homenageia aqui. Mas essa homenagem não está apenas no texto ou na trilha sonora, mas em todo o resto. A fotografia da primeira metade do filme, assinada pelo próprio cineasta, abusa de ranhuras e borrões para envelhecer o longa. E a montagem de Sally Menke, companheira fiel do diretor, sem brincadeiras com a estrutura, marca tradicional do cinema de Tarantino, usa uma série de truques para reforçar essa proposta, como cortes bruscos e repetições. Às vezes é quase um trabalho de DJ.

 

O filme é claramente dividido em dois. Algum desavisado pode ignorar o guilty pleasure concebido por Tarantino e chamar a primeira metade do longa de misógino, mas isso se anula totalmente na segunda parte, especialmente no final. O único elo entre a primeira e a segunda metades é o personagem de Kurt Russell, o Dublê Mike, de longe a melhor interpretação que o ator já entregou ao público, tradição de Tarantino, que já havia feito o mesmo com Pam Grier, Darryl Hannah e John Travolta.

Em sua segunda metade, o filme muda bastante. O papo feminino, versão do diretor, permanece, mas as interferências visuais praticamente desaparecem, dando espaço para um trabalho de câmera é mais elaborado, embora as imagens continuem à moda antiga. Toda essa concepção retrô vem acompanhada por cenas de ação espetaculares, como a do choque entre os carros, que ganha vários pontos de vista. Todos com detalhes diferentes e imagens igualmente impressionantes.

Talvez a aparência descompromissada esconda o filme mais puro de Tarantino. À Prova de Morte, em sua amoralidade e seu imediatismo, parece ser feito apenas para se divetir. E, na boa, tem coisa melhor?

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[Death Proof, Quentin Tarantino, 2007]

Comentários

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12 comentários sobre “À Prova de Morte”

  1. Soh uma coisa a dizer… Eu te adoro Chico !
    Finalmente alguém pra falar bem desse filme. Sempre leio opinioes aversas, ja li inclusive em algum lugar que esse seria o pior filme de Tarantino.
    Minha humilde opiniao? Amo esse filme e revejo qtas vezes puder!

  2. Eu assisti esse filme recentemente baixado na versão original do projeto Grindhouse. A experiência completa, com os dois filmes em sequência é impagável! O fato de os dois filmes (Planeta Terror e À Prova de Morte) serem tão diferentes é de extrema importância para não deixar a sessão cansativa ou repetitiva. À Prova de Morte em especial é excepcional, Kurt Russel está indescritível – as cenas finais em que ele se mata de gritar de dor valem pelo filme todo. Ou melhor, só não valem pq o filme todo é um trabalho impecável e não ficam à sombra da atuação de Russel. É Tarantino dos bons!

    Não tinha me atentado para a questão dos dois tipos de mulheres representados no filme que, somados ao tratamento que o diretor dá às duas partes, pode estar representando as mulheres de ontem e de hoje. Achei essa sacada, no comentário do Leo Name, sensacional.

    Tb estou fascinada pela cena da batida do carro do Mike contra as primeiras quatro meninas. Brilhante. Uma das cenas mais lindas que o Tarantino já fez.

    Sua crítica está perfeita, Chico.

  3. Após anos – e alguns meses – de espera, o filme finalmente foi lançado na minha cidade. Já tenho o DVD importado, assisti há pouco tempo, escrevi sobre, mas vou rever hoje. Não tem como, o filme é divertido DEMAIS!

    Um forte abraço.

  4. A cena que promove a reviravolta é das mais impactantes (literalmente) que o cinema já produziu. Eu vi em download junto com o de Robert Rodrigues, o que reforça a distância qualitativa que separa os dois diretores. A genialidade de Tarantino é inegável.

  5. Eu vi uma versão em download horrorosa, por isso pretendo rever no cinema. Uma pena que aqui no Brasil não fizeram uma sessão dupla (juntando esse com o Planeta Terror). Coisas de um mercado distribuidor hipócrita!

  6. Eu acho o filme totalmente feminista e acho que a diferença entre “filme anos 70 envelhecido” versus “filme super colorido na segunda metade” é pra marcar a diferença entre os dois tipos de mulher na vida do personagem do russel e que marcam os dois tipos de mulher (ontem e hoje?) que talvez Tarantino queira marcar.

  7. Assino embaixo, meu caro Chico. E digo mais: é uma pena que o filme tenha sido um fracasso na sua terra natal, o que impossibilitou diversos outros derivados com grande potencial de entretenimento da mais fina estirpe verem a luz do dia. Ao que tudo indica, a sessão completa, com os trailers falsos e versões originalmente concebidas, sairá em DVD. E na atual conjuntura, já está de bom tamanho.

    Um forte abraço.

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