Adaptar um livro muito conhecido para o cinema é sempre um desafio. Em se tratando de um autor do porte de Leon Tolstoi, a coisa se complica. Ainda mais quando o material em questão é um clássico absoluto como Anna Karenina, que já recebeu pelo menos 18 versões para filmes em longa-metragem. O inglês Joe Wright tomou para si a tarefa e encontrou fora da literatura uma inesperada saída para encher de frescor e vitalidade uma história de mais de 100 anos, contada e recontada dezenas de vezes. Numa época de filmes cada vez mais “plásticos”, Anna Karenina é um belíssimo exemplo de integração entre concepção visual e projeto cinematográfico. O mais impressionante é que a utilização do teatro como plataforma e fio condutor desta realização se revela uma opção não apenas acertada, mas exata para que o diretor possa apresentar seu olhar para a aristocracia russa do fim do século XIX.
Wright enxerga aquela aristocracia como um grupo de pessoas à procura de uma identidade própria, que emulava não apenas roupas, mas hábitos e costumes de outros países. A nobreza russa, para ele, estava sempre encenando. Esta premissa não apenas justifica, mas valoriza a escolha do teatro como modelo narrativo para o filme. A maior parte das cenas se passa em cima de um palco, que é revelado antes, depois ou durante a sequência. Os atores, embora pareçam dirigidos para que suas interpretações se distanciem das performances teatrais, à medida que respondem a uma marcação firme, interagem com mudanças de cenários e figurantes que funcionam também como equipe de produção, movendo os objetos de lugar, além de visitar muitas vezes às coxias. E Wright funciona como um maestro, orquestrando todo esse balé da maneira mais musical possível, apoiado pela bela trilha de Dario Marianelli.
O cineasta já havia assinado outra adaptação de um texto clássico, Orgulho e Preconceito, de Jane Austen, que em suas mãos virou um exercício de como arejar uma obra famosa, reinterpretada muitas vezes e com um recorte bem específico, mas bem menos ousada que Anna Karenina. Foi Wright que ofereceu a Keira Knightley seu primeiro papel importante, que lhe rendeu uma indicação ao Oscar e iniciou uma parceria entre a atriz e o diretor. No novo filme, Keira aparece mais madura e assume as rédeas de um elenco devotado ao projeto. Sua personagem, um marco no retrato da mulher na literatura, no entanto, se perde um pouco diante da fartura de possibilidades oferecidas pelo filme, que metaboliza as questões levantadas por Tolstoi, faz crescer personagens menores e potencializa o papel do espectador enquanto aquele que olha.
Wright demonstra uma habilidade notável na administração de algumas cenas, em especial naquelas que deveriam ser externas, mas que foram tranpostas para interior de um teatro por pura ousadia. Num momento belíssimo, o diretor enche de neve a nave do teatro e cria um estranhamento visual que provoca o espectador. Em outra sequência, uma das mais importantes do filme, palco e plateia viram uma arena onde é realizada uma corrida de cavalos, enquanto os personagem que assistem ao evento são acomodados nos mezzaninos, reforçando essa transformação do espaço num estádio, reforçando a natureza de transformação do próprio filme, do próprio livro, onde algo ou alguém sempre está no papel de outra coisa ou outra pessoa. Se Anna Karenina é um filme-espetáculo, essa parece uma tradução certeira para uma sociedade sempre disposta a interpretar.
Anna Karenina
[Anna Karenina, Joe Wright, 2012]
Olá, Chico. É a primeira vez que visito seu site, e gostei muito. Wright ainda tem no currículo a adaptação de Atonement, de Ian McEwan. Numa das melhores performances de Keira, em minha opinião. Além disso, a trilha também é do Dario Marianelli – uma trilha lindíssima, por sinal, que se integra muito bem à trama através dos sons das próprias cenas.
Oi Paula. Gosto de “Desejo e Reparação”, mas prefiro a primeira das três partes do filme, com uma excelente Saoirse Ronan.
por que anna divide opiniões?
Acho que muita gente não gosta do “espetáculo” e o filme do Joe Wright pede um pouco disso.