Antes da Meia-Noite começa com Hank. Ele é um novo personagem numa pequena mitologia criada 18 anos atrás por Richard Linklater. Cineasta da palavra, seja em animações filosóficas ou em filmes sobre adolescentes, Linklater insere esse novo personagem justamente numa cena de diálogo, um dos longos diálogos que viraram marca de sua agora trilogia. A presença de Hank parece ter duas funções: a primeira é brincar com o espectador, confundi-lo para que ele tente situá-lo no contexto do filme. A segunda, já revelado o papel de Hank nesta história, é transformá-lo no agente da passagem do tempo entre este longa e seu irmão do meio, Antes do Pôr-do-Sol.
É através de Hank que o cineasta anuncia as consequências e desdobramentos daquele avião perdido no filme de 2003. É o personagem que, mesmo à distância, serve de catalisador para os debates do terceiro capítulo da história de Celine e Jesse. Este é, sem qualquer pudor e mais uma vez, um filme de debates, onde o que está em discussão são as relações humanas. Richard Linklater percebe, entende e aceita as metamorfoses de uma história de amor. É com essa visão clara e objetiva que ele retoma a trajetória de suas personagens, um homem e uma mulher cuja história conjunta se desenvolveu ao longo de quase duas décadas, uma história da qual o espectador teve direito a duas pequenas provas.
Embora haja referências à crise porque a passa o país, a Grécia que se vê em Antes da Meia-Noite é uma Grécia idealizada, com casas de pedra em rochedos à beira-mar, pessoas colhendo seu próprio almoço um ócio simpático, quase vocacional, com direito a partidas de futebol com os vizinhos e conversas sobre literatura em mirantes que revelam a bela paisagem. Um cenário bucólico que Linklater desconstrói com uma boa dose de realidade num dos melhores momentos do filme, um almoço em que quatro casais, de diferentes idades, discutem o mundo e o amor. Pontos de vistas diferentes ajudam a montar um quadro desapaixonado dos relacionamentos, como se fosse preciso ir ao lugar “perfeito” para perceber que nem tudo é perfeito.
Esta é uma das cenas mais longas de um filme com muitas cenas longas, o que permite que sua matéria-prima, o diálogo, ganhe em naturalidade e coloquialidade. Ethan Hawke e Julie Delpy mais uma vez coescreveram o roteiro junto com o diretor e, por isso mesmo, parecem muito à vontade para defender os personagens que carregam há tanto tempo. O texto é bem mais informal do que nos filmes anteriores. Mesmo quando as reflexões revelam maiores pretensões, o diálogo parece espontâneo e as interpretações seguem o mesmo caminho. Julie Delpy, nove anos mais velha do que em Antes do Pôr-do-Sol, continua radiante, mas o que impressiona é a evolução de Ethan Hawke como ator. O homem parece finalmente ter se libertado dos tiques de canastrice que o perseguem.
A espontaneidade dos dois atores parece ser fruto da intimidade deles para com os personagens. A simbiose entre Ethan e Julie e Jesse e Celine só não é mais interessante do que a simbiose entre Jesse e Celine. Os anos, a convivência, os altos e baixos fizeram com que as características de um poluíssem o outro. Fragilidades e fortalezas mudam de lado; histrionismos e sensibilidades passam dele para ela e vice-versa. Nove anos depois, Linklater promove uma reviravolta das metas do casal: se nos dois primeiros filmes, as conversas entre os dois girava em torno de suas ambições e de suas perspectivas para o futuro, agora eles discutem sobre tudo o que os levou até ali. O peso de sua própria história, de suas próprias histórias, finalmente chegou.
Linklater evita os desfechos típicos de filmes de encerramento. Talvez porque nem tenha certeza de se este seja um filme de encerramento. Criador deixa as criaturas livres para descobrir por si mesmas que tipo de amor vivem ou ainda em que momento de seu relacionamento eles estão. O amor dos dois já foi consumado como decreta a adolescente que acredita na finitude do sentimento na mesa do almoço ou a relação dos dois pode sobreviver porque eles se enxergam como seres isolados, como defende o dono da casa onde estão hospedados? Incertezas à parte, Linklater parece dizer através da viúva que começa a se conformar por estar esquecendo do marido que as memórias até podem ficar mais raras, mas nunca conseguem apagar uma história.
Antes da Meia-Noite
[Before Midnight, Richard Linklater, 2013]
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Não conhecia o blog; que bons ventos me trouxeram, neste início de ano, até aqui!
Belíssima análise.
Só achei a Celine mais chata e histérica do que ever before. O Jesse é muita areia pro caminhão dela…