Arábia está um passo a frente deste cinema brasileiro contemporâneo, que existe entre o documentário e a ficção, que recruta não-atores e até seus próprios personagens para se interpretarem nos filmes, que privilegia mais as impressões e sensações do que um roteiro tradicional, que tem um forte cunho social e que geralmente é aberto a interpretações e interferências.

Arábia está a frente deste cinema contemporâneo porque boa parte dos filmes recentes, embora exista uma safra riquíssima nos últimos anos, tem uma dificuldade em deixar claro seu objetivo, e Arábia, sendo o mesmo misto de gêneros, usando não-atores, com fortíssimo cunho social e sem se render a conceitos fechados, atinge seu seu alvo com uma mira certeira. Tudo porque, além de sua clara intenção de capturar uma realidade social, se preocupa com sua forma, abraçando o dispositivo para envelopar sua proposta.

ArábiaO dispositivo de Arábia é a narrativa. A narrativa que fica tão explicitada na carta deixada pelo protagonista, a partir do momento da troca de protagonismos do filme, que funciona como um alerta dos diretores para o espectador: algo como “este não é mais um filme agradável sobre um jovem de classe média, mas uma interpretação sobre uma realidade brasileira. Uma realidade geralmente escondida entre sacos de frutas colhidas no campo, máquinas de uma tecelagem e corredores de uma indústria”.

Quando adotam a carta como mecanismo, Affonso Uchoa e João Dumans validam tanto sua crítica social e seu cinema menos tradicional quanto permitem ao filme o tratamento poético, o texto bruto e simples, mas com intenções delicadas e rebuscadas, características que muitos filmes brasileiros recentes perdem pela falta de um dispositivo que os liberem da prisão da estética da captura do real. Em Arábia, a observação do mundo convive harmoniosamente com o relato poético.

O resultado tem uma força inédita que transforma seu retrato do cotidiano do homem comum – e consequentemente dos espaços que o oprimem, amordaçam e expulsam – num canto de guerra contra o estado das coisas, num pequeno tratado sobre o coração do Brasil, numa ode à liberdade de existir enquanto homem, trabalhador e, por que não?, poeta do dia-a-dia. A arte também estar pronto para a luta.

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Arábia, Affonso Uchoa e João Dumans

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