>>

O longa de Bárbara Paz é tanto uma bela despedida da atriz e diretora para o companheiro como um adeus muito digno de Hector Babenco para o mundo. A própria natureza do filme, um registro dos últimos dias de vida do cineasta, que enfrentou um câncer por muitos anos e morreria pouco depois das filmagens, já coloca o projeto num patamar diferente, desconstruindo o cinema de homenagem.

“Babenco: Alguém Tem que Ouvir o Coração e Dizer: Parou” não é um retrato da vida e da carreira do diretor até sua morte, mas uma reflexão sobre esta vida e esta carreira a partir da decadência do corpo deste homem. Uma escolha corajosa tanto para Bárbara Paz, que dribla uma série de questões pessoais e profissionais para assumir um projeto assim, quanto para Babenco, que não apenas aceita como entende que precisa ser registrado naquelas condições para transcender, inclusive, o próprio processo por que passa.

A consciência do casal em relação ao filme que está fazendo ajuda a deixar as escolhas mais orgânicas e tranquilas. Se o documentário persegue a poesia através de imagens mais subjetivas e uma trilha bonita do grupo O Grivo, o faz com bom gosto e sem cair em armadilhas sentimentais. O tom e o tipo de registro adotados, mais crus e diretos — o que emula muitas das características do próprio Babenco –, ajudam a encontrar um caminho muito menos óbvio do que poderia se imaginar.

Mesmo num filme-tributo sobre alguém tão próximo, que naturalmente tem várias contas emocionais para pagar, as decisões de roteiro e montagem são sóbrias e dão ao longa várias camadas: de um lado, há bastante delicadeza na construir este réquiem para o homem e o artista; do outro, a intenção de ser fiel a sua natureza e à natureza analítica de vários de seus filmes, registros ponderados de personagens e contextos que ajudaram a indicar alguns caminhos para o cinema brasileiro.

Babenco: Alguém Tem que Ouvir o Coração e Dizer: Parou ★★★
idem, Bárbara Paz, 2019

P.S.: a escolha do filme para representar o Brasil na disputa por uma vaga no Oscar de filme internacional provocou polêmica porque, tradicionalmente, documentários não são indicados (foram apenas três desde que a categoria surgiu em 1947) e porque outros candidatos pareciam escolhas mais “fortes” para competir com pesos pesados vindos de outros países. Eu não sei se o filme de Bárbara Paz “tem chances”, como a gente costuma classificar essas decisões, mas, uma coisa é certa, o indicado do Brasil ao Oscar é um belo filme.

Comentários

comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *