A comparação vai parecer esdrúxula, mas Barry Lyndon está bem perto de ser o que Herói (Zhang Yimou, 2001) tentou, mas não conseguiu: o filme mais bonito do mundo. As imagens calculadas por Stanley Kubrick são de uma perfeição raramente vista no cinema, em detrimento do vazio multicolorido que o chinês pariu. A imensa pesquisa que reproduz a iluminação natural da época, inspirada nas pinturas feitas no período, multiplica a relevância de cada quadro. E, neste filme, cada quadro é quase uma obra-prima.
É bem provável que o impacto que cada filme de Kubrick provoque seja mais ou menos o mesmo. Há um impacto geral, padrão gerado pelos filmes do diretor; impacto que se renova a cada vez que se vê um filme dele, em momentos diferentes da vida, da experiência com cinema. Por isso, é perfeitamente entendível porque Laranja Mecânica, um filme visivelmente mais adolescente, é o preferido entre os jovens. Ou porque 2001 é o querido da intelectualidade, da crítica, das listas. Ambos são filmes excelentes, cada qual a sua maneira, cada qual com os espasmos que gera.
Portanto, a cada revisão de um filme de Kubrick, existe a possibilidade de novo encantamento. E o momento de considerar o filme revisto, o melhor do diretor.
No entanto – a frase a seguir é arriscada – Barry Lyndon parece ser o filme mais maduro (e talvez, o mais sóbrio) da carreira do cineasta; um filme completamente calculado, como toda sua obra, mas que consegue, dentro de seu cálculo, um tom intimista muitíssimo particular e deveras prazeroso para o espectador. A narração transcende sua função e assume a forma de conversa, liberta do distanciamento que o off naturalmente provoca. Ela molda o filme numa perspectiva mais próxima, mais informal, feito tão difícil para uma obra de época com tantas dívidas com a linguagem.
Num segundo aspecto, o filme se aproveita desta comodidade em relação ao espectador para ousar na sua composição. É, sem dúvida, um dos trabalhos de maior equilíbrio entre câmera, iluminação, direção de arte. Kubrick sabe administrar espaços como poucos. É assim em todos os seus filmes. Mas nesse a ocupação do campo tem um inédito namoro com a luz utilizada para evocar e evidenciar o histórico. Seja nos espaços abertos, onde as paisagens são surrupiadas de telas clássicas com uma bela ajuda dos céus, seja nos ambientes fechados, iluminados apenas por velas. É um trabalho exemplar, dificílimo. Além disso, a câmera tem movimentos impressionantes, como o da apresentação de Lady Lyndon, do imenso ao particular. Ou nas perspectivas que assume (às vezes retrata o olhar de alguém, que, em seguida, passa pela câmera, pelo seu olhar).
O texto de Barry Lyndon também é um achado. William Makepeace Tackeray provoca reviravoltas constantes na relação do protagonista com o espectador. De herói romântico (a atuação de Ryan O’Neal é excelente na primeira seqüência) até tirano inescrupuloso, são vários nossos afetos para com Barry. As mudanças de perfil são sutis e sempre estão sujeitas a um novo elemento, que estabelece um novo painel, geralmente cercado de novos e interessantíssimos coadjuvantes. E Kubrick transita com elegância entre todos os momentos da trajetória da personagem, inclusive criando cenas dificílimas, como a morte do filho, que poderia ser um desastre nas mãos de alguém menos talentoso.
Enquanto trabalho de tema mais clássico, mas de engenharia tão ousada quanto os mais conhecidos filmes do cineasta, Barry Lyndon assume uma posição à parte em sua obra. Se não for o melhor Kubrick, certamente é o que o revela melhor diretor.
[barry lyndon ]
direção e roteiro e produção: Stanley Kubrick, baseado no livro de William Makepeace Tackeray.
elenco: Ryan O’Neal, Marisa Berenson, Hardy Krüger, Steven Berkoff, Gay Hamilton, Marie Kean, Murray Melvin, Frank Middlemass, André Morell, Diana Körner, Patrick Magee.
fotografia: John Alcott. montagem: Tony Lawson. música: Leonard Rosenman. desenho de produção: Ken Adam. figurinos: Milena Canonero e Ulla-Britt Søderlund. duração: 184 min. barry lyndon, grã-bretanha, 1975.
nas picapes: [Bring On the Dancing Horses, Echo & The Bunnymen]
laranja mecânica é melhor. sei lá, passei t\antos anos querendo ver Barry Lyndon sem poder (o filme estava inacessível desde o in[ício dos anos 80), que quando vi me decepcionei um pouco. ainda acho um belo filme, mas não a OP que esperava.
bring on the dancing horses é uma das melhores canções do superestimado Echo & the Bunnymen
Meu caro: Concordo completamente com você. Durante aproximadamente 30 anos, considerei ‘2001’ o melhor Kubrick e um dos melhores filmes de todos os tempos. Claro, continuo achando a “odisséia espacial” uma maravilhosa obra-prima. Mas, nos últimos meses, mais e mais, meu encantamento por ‘Barry Lyndon’ tem aumentado consideravelmete. Um grande abraço.
Concordo com o Ailton, é provavelmente o filme mais emotivo do Kuby.
É muito melhor que “Laranja Mecânica”, mas pelo jeito não deve receber tantos votos para o ranking da Liga…
Ainda estou para ver esse filme, é um dos poucos do Kubrick que eu ainda não vi.
Dia desses aluguei o filme, mas a droga do DVD deu problema (o disco do filme, não o aparelho).
Nunca tive a oportunidade até comprar o DVD. E demorei um tempão para assistir.
Este comentário foi removido por um administrador do blog.
Pq demorou tanto pra ver esse filme Chico?
😛
Abs.
Só não é o melhor Kubrick porque o diretor (e nem ninguém) tem como superar a obra-prima máxima que é 2001, o melhor filme do mundo em todas as épocas..heheh… BARRY LYNDON é o filme que tira a idéia de que Kubrick é um sujeito totalmente racional.