Na semana passada, a Ariane Freitas me escreveu perguntando se eu responderia algumas perguntas para um trabalho de faculdade que ela estava fazendo. Topei, mesmo achando que talvez não fosse bem o que ela queria. Ela mandou as perguntas, bem legais, e eu respondi. Gostei tanto do bate-papo que pedi autorização a ela para publicá-lo aqui.
Vimos que você é alagoano… O que fez com que se mudasse para São Paulo?
Basicamente, foram as possibilidades de trabalho. Sou jornalista e o mercado lá é empacado. Você fica numa função para sempre se não resolver sair. Mas não tem como negar que minha paixão por cinema deu um empurrãozinho. Desde que vim pela primeira vez para a Mostra de Cinema de São Paulo, decidi que queria morar aqui.
De onde veio a paixão pelo cinema?
Sempre gostei de cinema, mas até minha adolescência era apenas um consumidor voraz de filmes de Sessão da Tarde e filmes que levam adolescentes para o cinema. Comecei a me interessar em ver filmes sérios no cinema no começo dos anos 90 (filmes como O Poderoso Chefão – 3ª Parte, do Francis Ford Coppola). Mas considero que meu marco zero cinéfilo foi em dezembro de 92, quando fiquei embasbacado com as imagens de Drácula de Bram Stoker, coincidentemente também do Coppola. Ali eu decidi que prestaria mais atenção naquilo.
Sua formação em jornalismo tem algo a ver com essa paixão?
Minha formação em jornalismo tem a ver com a pergunta que eu fiz quase na fila de inscrição do vestibular: “o que eu quero fazer pro resto da vida?”. A resposta foi “ler, escrever e contar as novidades”. Uma lampadinha acendeu.
Qual seu gênero preferido? Por que?
Não confio muito em quem gosta deste ou daquele gênero no cinema porque acho impossível alguém gostar de verdade de cinema e não reconhecer que há filmes bons em todos os gêneros, do western ao musical. Mas eu amo filmes noir, pra ficar com um.
Quais são as características do cinema que mais lhe chamam a atenção?
Eu seria injusto se dissesse que é a fotografia, apesar de eu adorar observar como as imagens são usadas por um diretor. Ou se dissesse que são os atores, que vez por outra transformam filmes pequenos em clássicos instantâneos. Talvez eu seja menos injusto se disser que é a montagem, a característica mais cinematográfica, que é o cria a narrativa.
Você acha que a crítica ajuda a estimular a cultura?
A crítica quando é feita com o intuito de informar, sim. Quando ela peca pelo excesso de rebuscamento, essa função fica comprometida.
Acredita que a crítica possua papel didático? Mais: o que acha que é preciso para ser um crítico?
Acho que minha resposta anterior atende a essa primeira pergunta. Quanto à segunda, quero deixar claro que não me considero um crítico justamente por não exercer essa função como profissão e, dessa forma, sempre utilizar uma primeira pessoa (ainda que embutida) nos meus textos. Críticas precisam, a meu ver, ter mais embasamento teórico e pesquisa.
É possível separar gosto pessoal de técnica numa crítica?
Acho que é impossível e que críticas onde o autor ignora suas formação e referências nem deveriam ser escritas.
Qual o processo de criação das suas listas de melhores e piores? Quais os critério de seleção?
O critério é a memória. Quando recorto um tema, listo todos os filmes que poderiam entrar na relação. Para isso, além de recorrer a minha lembrança, consulto outras listas e, às vezes, até amigos. Geralmente minhas pré-listas ficam 4 ou 5 vezes maiores do que as listas finais. Então, o critério é a memória (seja a afetiva, sejam as revisões de filmes que faço constantemente).
Quais suas maiores referências no cinema?
A primeira pergunta é bem difícil para mim porque, nos últimos quase 18 anos de cinefilia, eu passei por várias paixões. Federico Fellini, François Truffaut, Orson Welles e Ingmar Bergman foram alguns dos que me iniciaram, mas fui conhecendo as obras de muitos outros ao longo desse tempo todo, como Yasujiro Ozu, Robert Bresson, Brian De Palma, Fritz Lang, F. W. Murnau, Gus Van Sant e mais um batalhão. Acho que quem atravessou todas essas eras foi Alfred Hitchcock, a quem sempre retorno. Afinal de contas, ele é o maior.
Quantas vezes você vê um filme para falar sobre ele?
Normalmente apenas uma. É raro, mas às vezes revejo para escrever.
Qual é o seu cinema preferido? Qual a sala que mais frequenta?
Em São Paulo, é o CineSesc, sem dúvida, porque ele é confortável, charmoso, icônico, eu diria, mas tenho ido pouco lá. As salas que freqüento mais são as do Unibanco Arteplex no Shopping Frei Caneca porque são perto de onde moro e geralmente trazem uma programação variada e que me interessa. Frequento também o Espaço Unibanco, o Bristol e a Reserva Cultural.
Quantos filmes costuma assistir por ano?
Geralmente, só conto os filmes que vejo no cinema. Esse número fica entre 120 e 150 filmes, mas no ano passado persegui quase todos os festivais de cinema de São Paulo (só na Mostra vi mais de 60) e ainda fui ao Festival do Rio, de férias, onde vi mais uns 50 ou 60. Fechei com mais de 250 filmes entre festivais e circuito. Nunca mais faço isso.
Você faz algum “ritual” pré festivais e premiações? Tem algum festival favorito?
A Mostra de SP é meu festival favorito por ser o primeiro grande festival a que fui. Amo com fogo e paixão. Quando sai a programação, mergulho nos títulos, pesquiso e fico dias montando minha “grade”.
Como você arruma tempo para ver tantos filmes?
Nem eu sei. Acho que priorizo isso na minha vida. É o que me interessa, é o que me diverte, então, nunca acho que esteja perdendo tempo numa sala de cinema.
Você coleciona filmes? Tem alguma posição a respeito da pirataria e do download ilegal de obras?
Coleciono. Tenho muitos DVDs, nem eu sei quantos. Minhas estantes são a prova. E odeio emprestar. Só quando é para alguém muito próximo. Sobre baixar filmes, eu acho que a maneira como essa prática é vista hoje deve mudar em breve porque disponibilizar obras de arte na internet é a apenas uma nova maneira de se relacionar com quem busca a obra. Não tem como não ser contra a pirataria quando se ama cinema porque a pirataria pode fazer com que o cinema se torne uma arte inviável financeiramente. Então, eu não gosto de baixar filmes novos, que estão ou entrarão em cartaz. Nem filmes que receberam versões decentes em DVD ou Blu-Ray porque quando eu gosto do filme, gosto de tê-lo.
No entanto, é impossível ignorar como a cinefilia foi estimulada pelos downloads. Eu mesmo só tive acesso a filmes antigos, ou inéditos ou raríssimos no mercado, baixando-os. Principalmente clássicos antigos (muita coisa européia, oriental, ou filmes mudos) ou filmes recentes pouco comerciais que não encontram espaço no nosso mercado. Eu acho que a) as distribuidoras que lançam filmes em DVD sem um único extra estão sendo burras (porque isso é o que diferencia o produto delas do baixado e, cada vez mais, só quem vai comprar filmes é quem gosta de colecionar); b) a indústria vai começar a explorar mais e melhor o mercado online; c) quem baixa filmes gravados por câmeras dentro das salas de cinema merece o fuzilamento.
Como você faz suas “apostas” para o Oscar, sempre tão precisas?
Sempre me perguntam porque eu dou “tanta importância” ao Oscar. Não é nada disso. O Oscar é importante para a indústria, mas o que me interessa nele é a brincadeira. Desde 1988 eu assisto a todas as cerimônias e do início dos anos 90 para cá eu comecei a me interessar em descobrir como eles chegam aos finalistas. Então, comecei a acompanhar festivais e premiações de críticos, observar as regras e lógicas internas da Academia, e isso me ajuda a apostar. Simplesmente adoro fazer isso.
Você acha que já viu o “filme ideal”, “perfeito”?
Imagino que se achasse isso já teria diminuído meu interesse pelo cinema.
Qual a sua opinião sobre o cinema atual – mainstream?
Eu adoro um blockbuster, viu? Acho que quando fazem filmaços como O Ultimato Bourne com fins completamente comerciais, não há porque reclamar. Mas tem muita porcaria e é normal que seja assim.
O que você acha do cinema 3D?
Acho que, em boas mãos, é uma delícia. O 3D é mais um passo evolutivo do cinema, não vejo mal nisso. Mas converter por converter é uma bobagem.
O que você acha do cinema brasileiro?
Sinceramente? Cada vez melhor. O cinema brasileiro sempre teve grandes filmes no meio de muita besteira. Qualquer cinematografia é assim. Só para citar belos exemplos dos últimos cinco anos, tivemos Cinema, Aspirina e Urubus, O Céu de Suely, Jogo de Cena, Santiago, Cão Sem Dono, Se Nada Mais Der Certo. Todos grandes filmes, todos filmes diferentes. Eles não levam o grande público para o cinema, mas isso é completamente natural porque não são comédias com atores globais, nem cinebiografias de cantores sertanejos ou médiuns. No entanto, deixam nossa filmografia mais rica.
Vimos que também é fã de quadrinhos…. O que acha, em geral, da adaptação de quadrinhos e obras literárias para o cinema?
Sobre obras literárias, temos dezenas de bons e maus exemplos. E nem sempre há um padrão para que dê certo, acho que passa prioritariamente pelo bom senso. Orgulho e Preconceito, do Joe Wright, por exemplo, eu acho brilhante mesmo sendo um “filme de menina”. E é uma adaptação bem próxima do original. Hitchcock transformava os livros “série B” que originaram suas obras em filmes geniais.
Quanto aos quadrinhos, eu sou um megafã das HQs de super-heróis, sobretudo da DC Comics e da Marvel. Acho que há grandes adaptações, com o primeiro filme do Superman, os segundos do Homem-Aranha e dos X-Men, ou os dois filmes do Homem de Ferro, mas há desastres absolutos como The Spirit, embora ele tenha sido capitaneado por um dos maiores mestres dos quadrinhos. Acho que uma boa adaptação tem que saber respeitar o original sem pecar pelo excesso de reverência.
Um clichê, para terminar: Quem você escolheria para interpretá-lo em uma cinebiografia?
Acho que o Mark Ruffalo me faria direitinho. E ainda seria indicado ao Oscar, hehe.
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