Beijing Blues

Numa das cenas mais notáveis de Beijing Blues, um policial interroga uma mulher que fazia parte de um grupo que se passava por deficientes físicos para pedir esmolas nas ruas da cidade. “Você é a líder do grupo?”, pergunta ele, para ouvir de pronto: “sou”. Alguns segundos depois, ela completa: “os outros são meu marido, minha filha, meu irmão e minha colega do colégio, o que você esperava que eu dissesse?”. A resposta da mulher explica as motivações do cineasta Qunshu Gao para este filme, um espécie de thriller da vida real.

Nem a China histórica dos grandes épicos, nem o país delicado dos dramas intimistas, muitas vezes feitos para exportação. Beijing Blues dialoga com um cinema contemporâneo, interessado em expor as mazelas e revelar o coração de uma megalópole. O diretor promove aqui um interessante encontro entre o cinema social que critica a maneira como as coisas se organizaram na capital da China (ou seja, ataca ainda que indiretamente o sistema) e o filme de ação, transformando pequenos golpes em matéria-prima para criar um filme ágil e envolvente (ou seja, um cinema com a missão de ser uma atração).

O protagonista é um caçador de pickpockets, um policial que comanda uma unidade de combate de golpes nas ruas de Beijing, de falsos deficientes físicos a pessoas que enganam velhinhos na hora do troco. O filme acompanha o dia-a-dia do personagem, o que ajuda a compor aos poucos um mosaico da cidade, mas Qunshu Gao não vilaniza os golpistas. Todos são tratados como sobreviventes, vítimas do crescimento desordenado do país. Os golpes são desculpas para mostrar uma Beijing em que cada habitante encontra sua maneira de virar. As cenas que revelam as maracutaias escondem, sempre, em algum nível, um contexto social.

A observação do cineasta sobre a China contemporânea e sua tentativa de incluir o país num contexto universal acontece em duas camadas, tanto em termos de roteiro, criando uma história com elementos comuns, partilhados pelas grande cidades, e estabelecendo uma reflexão sobre o que se mostra, quanto na linguagem. Além de um filme policial, Beijing Blues tem sua porção reality show. O personagem principal surge também como uma espécie de microcelebridade. Suas missões são mostradas num programa de TV, o que faz com que ele se transforme num herói da cidade. Qunshu Gao brinca assim com a própria condição do espectador, que é colocado no mesmo papel das pessoas que cumprimentam o protagonista em suas aventuras.

É atacando em todas as frentes que este filme encontra seu diferencial, sem maniqueísmos. Qunshu Gao encontrou num cinema popular uma maneira de falar da China para a China, da China para o mundo e do mundo para a China.

Beijing Blues EstrelinhaEstrelinhaEstrelinha½
[Beijing Blues, Qunshu Gao, 2012]

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