BELEZA AMERICANA
Um olhar mais atento para o que se vê no dia-a-dia pode nos revelar mais beleza do que possamos imaginar. Ricky Fitts passa seus dias buscando essa beleza escondida na imagem de um pássaro morto, no balé de um saco plástico ao vento e na janela de sua vizinha, Jane. O garoto tenta buscar a beleza que sua vida perdeu por causa da austeridade do pai, um militar reformado violento, e da ausência da mãe, psicótica que não percebe mais o mundo a sua volta.
O pai de Ricky, o Coronel Frank Fitts, não acredita mais na beleza. Construiu sua vida e a de sua família moldada por regras com quem trava batalhas diárias. Prende sua respiração para conseguir suportar dores fortes que não quer sentir. Conseguiu matar su mulher sem derramar uma gota de sangue. Barbara Fitts simplesmente deixou de existir. Conseguiu destruir a relação com seu filho, que deixou dois anos drogado numa clínica depois de pegá-lo fumando maconha.
Ricky vive com sua câmera digital. É através dela que ele consegue enxergar um mundo mais belo. É assim que ele descobre Jane. Jane vive numa casa linda, com decoração perfeita e um sofá de US$ 4 mil. Mas Jane não vive feliz. Sente-se um alien na escola, perto das menininhas bonitinhas e sensuais, como sua amiga Angela Hayes. Ela é uma adolescente esquecida pelos pais. Com o pai, já não fala há meses. Ele nem percebeu, de dentro da vida rotineira de emprego sem graça que se acostumou a ter. A mãe é uma farsa. Finge ser uma yuppie de sucesso, mas nem a trilha sonora dos jantares que prepara consegue esconder sua imagem forjada.
Todos os personagens desta história esqueceram de olhar mais atentos para as coisas que nós vemos no nosso dia-a-dia. Todos eles esqueceram da beleza. Menos Ricky. Quando Ricky vai morar ao lado de Jane, ela percebe que não está sozinha. Quando Ricky oferece maconha para o pai dela, ele percebe o quanto tudo está errado na sua própria vida. Percebe que não suporta mais sua mulher, que não faz questão de esconder o quanto está insatisfeita com ele. Quando Ricky diz a Angela o quanto ela é comum, a mulher mais bonita da escola desaba porque sabe que é verdade. Quando Ricky mente para ferir o próprio pai que tantas vezes o feriu, este deixa aflorar o que suas regras nunca mataram por completo. Ricky faz com que todos busquem a beleza.
Os personagens de Beleza Americana são arquétipos desconstruídos. Todos vêm do lugar comum que determina o famoso american way of life. Todos existem. Todos percebem o quanto há de mentira nas suas vidas. Mentiras que construíram uma sociedade artifical, moldada para ser perfeita numa forma de fortaleza e invencibilidade. Um país sem nome que inventa para seu próprio povo uma aura de liderança. Basta um filme sobre uma família para provar que tudo está errado.
Não existe uma direção mais perfeita que a de Sam Mendes em Beleza Americana. Ele está em todos os lugares. Seu toque pode ser sentido em todas as cenas. A fotografia e a direção de arte, simplesmente irretocáveis, criam o ambiente mais puro, pronto para ser mutilado. O cuidado com a imagem é ímpar. Como o cuidado que o personagem de Peter Gallagher tem com a sua. Mendes chega disposto a revelar a farsa. E quando a farsa acaba, acaba a tolerância, que explode na acidez de Kevin Spacey, no desespero de Annette Bening, na explosão interna de Chris Cooper, no rosto sem face de Allison Janney, no choro de Mena Suvari, na tristeza de Thora Birch e nos olhos de Wes Bentley. Nos olhos de Ricky. Olhos que enxergam a decadência de uma nação, mas que buscam mais que divisões geopolíticas. Olhos que buscam a beleza que está escondida nas coisas que passam por nós todos os dias.
Beleza Americana
American Beauty, EUA, 1999
Direção: Sam Mendes.
Elenco: Kevin Spacey, Annette Bening, Wes Bentley, Thora Birch, Mena Suvari, Chris Copper, Allison Janney, Peter Gallagher, Scott Bakula, Sam Robards, Barry Del Sherman.
Roteiro: Alan Ball. Produção: Dan Jinks e Bruce Cohen. Fotografia: Conrad L. Hall. Direção de Arte: Naomi Shohan. Edição: Tariq Anwar e Christopher Greenbury. Música: Thomas Newman. Figurinos: Julie Weiss.