Bud Clay está na estrada. Menos pelas competições de que participa e mais porque ele procura o que perdeu, algo como um coelhinho marrom, aquele mais belo de todos. Em cada parada, Bud busca espelho, reflexo, completude, parceria. Como não acha, ele se dedica a forjá-las, moldá-las, transformá-las, numa tentativa egoísta de por fim a sua aflição, naquilo que lhe faz falta. Mas Bud não se contenta com menos do que tudo. Não há espaço para cópias ou semelhanças; flores diferentes que não sua margarida. E sempre resolve continuar a procurar.
A melancolia seca dá o tom do filme de Vincent Gallo. Uma coleção de tristezas e solidões que ganha, no deserto americano, sua representação mais fiel: revela que não apenas o protagonista, imerso na desesperada procura por um passado perdido, sofre com a ausência. Todos com que ele esbarra são consumidos pela falta de perspectivas e de, mais do que tudo, de carinho. O homem solitário se apega até ao vento para acalentar o coração. As flores que cruzam o caminho de Bud são como ele, mas não é isso o que ele quer.
Naquele que é possivelmente o road movie mais triste já rodado, Vincent Gallo é talentoso em transferir para o espaço onde filma a essência do longa-metragem, ainda que haja momentos em que o nada incomode. O texto faz falta a quem está dependente de uma narrativa mais convencional, mas o experimento formal do diretor, rigoroso, ousado, recebido com preconceito estúpido, carecia mesmo do mínimo de palavras. Para Gallo, a única maneira de expressar a condição de falta de Bud é o sensorial.
Então, a palavra dá lugar aos outros sentidos. São os olhos que revelam a tristeza de um mundo de plástica exímia, habitado por solitários. É a música que expõe as feridas abertas ainda carentes de cicatriz. É o boquete, que assuntou e acintou tantos, que gerou muito riso descontrolado no cinema de uma platéia que não estava disposta para o filme; é o boquete cheio de violência, cheio de dor, que catalisa as angústias do protagonista, que o devolve a consciência da culpa, motivo de sua busca sem fim pelo coelhinho marrom, aquele mais belo de todos.
Brown Bunny ★★★★
The Brown Bunny, Vincent Gallo, 2003
Um amigo que coordena um site sobre cinema que me falou. Não sei onde ele descobriu.
Onde vc obteve essa informação sobre o lançamento em DVD, Chico? Achei estranho, pq faz taaanto tempo que o filme saiu de cartaz. Sabe por que selo vai ser lançado?
Supera e muito. E parece que sai em breve em DVD!
Fiquei louco para ver após o belíssimo trailer. Mas só entrou em uma sala aqui em Sampa, saiu rapidinho. Gosto do “Buffralo ’66”, mas espero que este supere.
Me disseram que vai sair em DVD até mês que vem… Ou semana que vem, não lembro direito.
Eu teria votado nele em algumas categorias do Alfred se tivesse visto em tempo hábil.
E agora? Como faço pra ver?
Filmaço!!! E só tende a crescer com o tempo. Quando saí do cinema não tinha gostado tanto, mas ao longo do tempo o filme foi crescendo, crescendo, não conseguia tirar ele da cabeça, e acabou ficando entre os TOP 10 de 2005.
Ela é maravihosa, Ailton.
Não embarquei bem na viagem, Chico. Mas sou fã da Chloe e me emocionei com sua entrega.
Um filme como “The Brown Bunny” só poderia ser um projeto completamente pessoal. Vincent Gallo assina direção, roteiro, montagem, produção, fotografia e, mesmo sem crédito, segundo o IMDB, assina o desenho de produção e até os figurinos. O filme é dele, de responsabilidade dele. Por isso, é tão fácil condená-lo por sua ousadia. E, por isso, é tão triste que ele tenha se sentido tolhido em Cannes, na época da primeira exibição desta pérola.