Propaganda enganosa essa de que Capote, o filme, é uma biografia de Capote, o escritor. O longa de Bennett Miller limita-se ao processo de criação de A Sangue Frio, último livro terminado pelo homem, que virou um belo filme de Richard Brooks no fim dos anos 60. Talvez o fato de que Capote nunca tenha ganho muita atenção do cinema ou de que a interpretação de Philip Seymour Hoffman seja daquelas que roubam as atenções, o fato é que há pinceladas da vida do escritor, restritas a um período específico de sua vida, e não uma história biográfica completa, com começo meio e fim.
Curioso que esta restrição narrativa, que eu chamaria mais de foco do que de limitação, tenha incomodado tanta gente, pelo que eu andei lendo por aí, porque, em sua proposta semidocumental, o diretor novato nos entrega um filme bastante correto. Sua linguagem, propositadamente ou não, termina se aproximando da que o retratado utilizou no livro clássico, que inaugura um estilo de escrever. A meu ver, esse distanciamento, mesmo que pareça mecânico, favorece o filme. Capote é direto, corta os excessos, mas talvez não traduza a personagem.
Outro ponto importante que parece ter causado mais incômodo ainda foi a performance de Philip Seymour Hoffman, afetadíssimo e, por isto mesmo, extremamente coerente com quem ele interpreta. Imagino que, para muita gente, deva ser complicado – e até pouco suportável – agüentar um filme inteiro onde uma “bichinha” é a protagonista, visão que me parece bem limitada, mas perfeitamente compreensível. Muito mais fácil é aceitar dois caubóis másculos se beijando ou ver a personagem gay presa num papel coadjuvante estereotipado, com tom engraçadinho.
Miller não ligou muito para isso. Quis mostrar como Truman Capote desenvolveu seu livro e sabia muito bem que precisava expor sua homossexualidade, mesmo que ela não fosse o foco e, sim, um elemento narrativo. Mas se não se concentra nisso – em praticamente nenhuma cena a orientação sexual é a pauta principal – tampouco a menospreza. E Hoffman, que está muito competente no papel, tem inteligência suficiente para se equilibrar na interpretação. Eu, pessoalmente, acho sua performance muito boa, embora prefira os coadjuvantes Clifton Collins Jr., ótimo num papel com imensas possibilidades de clichê, e Catherine Keener, discreta, perfeita.
O mais honesto no filme é como Miller, ao contrário do tratamento que dá à sexualidade do protagonista, expõe suas orientações éticas bastante questionáveis. Em muitos momentos, Truman Capote é um crápula, um aproveitador, mas o roteiro sempre dá relevo a isso, humanizando a personagem. É nessa complexidade, nessa indefinição que Capote ganha mais força, que não se mostra como um grande filme, muito menos um filme ruim, mas como uma grande reportagem.
Capote
Capote, Estados Unidos, 2005.
Direção: Bennett Miller.
Roteiro: Dan Futterman, baseado em livro de Gerald Clarke.
Elenco:
Philip Seymour Hoffman, Catherine Keener, Clifton Collins Jr., Chris Cooper, Bruce Greenwood, Bob Balaban, Amy Ryan, Mark Pellegrino, Allie Mickelson, Marshall Bell, Araby Lockhart, R.D. Reid, Rob McLaughlin, Harry Nelken, Robert Huculak.
Fotografia: Adam Kimmel. Montagem: Christopher Tellefsen. Direção de Arte: Jess Gonchor. Figurinos: Kasia Walicka-Maimone. Música: Mychael Danna. Produção: Caroline Baron, Michael Ohoven e William Vince. Site Oficial: Capote.Duração: 98 min.
nas picapes: Head On, The Jesus and Mary Chain.
realmente, não assisti… curiosidade..
chico, linkamos vc no eleeela… tem coisas novas lá. abraço.
Adoro esta música, Michel!
Esqueci de comentar, puta som esse das picapes Chico!!!
Realmente não é um filme memorável, Marcelo, mas é um filme correto, competente, muito bem interpretado.
Rony, o filme não é uma biografia, mas conta um pedaço da vida do Capote. Seria o mesmo que Madame Satã, que eu também não chamaria de biografia.
Bom texto, Chico. O filme não é ruim, mas tenho a impressão de que será esquecido rapidinho.
Caro Chico!
Li sua crítica a respeito do filme Capote e concordo com ela em vários pontos. Apenas discordo que não se trate de uma biografia. Pode não ser totalmente visto que não acompanha o personagem na trajetória de sua vida, contudo tem todos os elementos de uma semi-biografia com enfase na história de como a sua “mina de ouro” a sangie frio foi realizada. Particularmente, apesar de muitos críticos estarem supervalorizando esse filme, achei-o interessante, inclusive a minha última postagem é relativo ao Oscar 2006 e todos os filmes que estão disputando o troféu de melhor direção e melhor filme com suas respectivas resenhas. A maioria já atualizados no cinema em cena e aguardando a publicação no site adoro cinema. Um abraço e boas publicações.
BLOG: http://lovecine.blogspot.com
Pois é, acho que o filme é cobrado por uma coisa que ele nunca quis ser: uma tradução, um painel da personagem (embora ainda assim consiga retratá-la com muita precisão).
Concorco Chico. O filme é praticamente todo sobre o conflito dele a respeito da conclusão do livro – seu sentimento por Perry vs. a vontade de terminar sua obra-prima. Não o classifica como um crápula escroto ou como um herói absoluto (nada de Ray ou Walk the Line) o que me agrada bastante. De certa forma, Capote humaniza Perry da mesma maneira que o filme humaniza Capote.
Concordo com tudo Chico, quem teve essa idéia de que era uma biografia? Hoffman está bárbaro, fantástico…
Eu achei um filme chato, bombeiro. Não gostei da retratação do personagem (talvez não gostasse do próprio Capote, enfim), achei o roteiro confuso.
E Hoffmann está bem, mas não é sua melhor interpretação para mim.