O olhar cansado geralmente nos guia para uma visão simplista das coisas. O mais correto talvez fosse fazer como os protagonistas de Cinquenta Tons Mais Escuros: despir-se não apenas de suas roupas íntimas no meio de um restaurante, mas principalmente de suas certezas. Assim, sabe-se lá, pode surgir um “grande” filme sobre o amor. Se não no sentido de grande cinema, de bom exemplo de uma narrativa audiovisual – o que o longa certamente não é com sua absoluta falta de nuances, profundidade e de enxergar seus personagens sobre outras perspectivas – pelo menos, aparece uma obra que, embora se disfarce de filme erótico, é nada mais do que uma história tradicional sobre encontrar sua cara metade.
Por ser colocado em primeiro plano, o sexo chama tanto a atenção na trilogia imaginada por E.L. James que deixa camuflada a real fórmula da escritora. Enquanto se perde tempo numa discussão interminável e até meio óbvia sobre a ousadia ou a falta de libido das cenas de sexo, interpretação diretamente ligada a repertório e expectativa de quem está disposto a esse debate, a autora estabelece sua escrita como herdeira direta dos romances de bancas de revista dedicados ao público feminino. Cria uma suposta versão “século XXI” destes livros, cheia de citações a sadomasoquismo, para a clássica história da mocinha – pobre – que luta pelo amor verdadeiro de seu príncipe encantado – rico -, disposto a abrir mão o que lhe é mais importante para ter esse amor.
Casada, mãe de dois filhos adolescentes, James, uma ex-executiva de TV que somente escreveu seu primeiro romance às vésperas de completar 50 anos, é de uma inteligência impressionante. De um lado, declara que os livros materializam todos os seus desejos mais escondidos, dando uma textura real para as experiências sexuais da protagonista e deixando as pessoas fascinadas ou indignadas com chicotinhos e bolas de metal e bundinhas que aparecem “naturalmente” aqui e ali. Do outro, reprisa uma receita infalível, que conversa não apenas com o público feminino, embora ele seja o alvo principal, que é estimular o fetiche por uma alma gêmea, e não um fetiche necessariamente sexual.
A versão para o cinema do segundo capítulo da história de Anastasia Steele leva para a tela grande a mesma fórmula, os mesmos clichês, mas ganha um reforço ainda maior na hora de distrair o espectador de seus reais objetivos. O que era cafona somente na imaginação do leitor ganha forma em cenas, cenários e diálogos, em máscaras venezianas, excesso de trilha e vilões bem definidos, que regeneram o protagonista masculino para convertê-lo no ideal amoroso que o público espera. As interpretações frágeis e a falta de carisma dos atores principais não ajudam muito, mas o diretor James Foley acerta em mostrar os corpos da dupla de maneira generosa, tirando o foco de suas performances, e o fato de Dakota Johnson parecer uma “pessoa comum” ajuda muito no intuito da autora. Enquanto o espectador se distrair administrando suas fantasias ou investigando os defeitos da obra, a força da fórmula mais tradicional narrativa de nosso imaginário popular se reafirma em mais uma história sobre não estar sozinho no mundo.
Cinquenta Tons Mais Escuros
[Fifty Shades Darker, James Foley, 2017]