Os inconformados vagam pelo mundo buscando um lugar, uma pessoa, um motivo. Em suas caminhadas, esbarram em verdades provisórias, ninhos temporários, alentos pouco duradouros. Mas seriam eles os que estão certos? Os que não se satisfazem com os imediatismos, as prisões formais, as molduras? Os que – a despeito de outros que se apegam a profissões, cidades, famílias para inventar suas calmarias – exigem os porquês, indagam e partem pelo mundo, num processo que não raro é visto como fuga, irresponsabilidade, e, por vezes, algum grau de insanidade ainda que temporária? Da tempestade à bonança, é a tempestade que deixa suas marcas. Questionar pode ser um ato de extrema solidão. Que desperta pouca – ou nenhuma – compreensão.
Clean, meu segundo contato com o cinema de Olivier Assayas – o primeiro foi Destinos Sentimentais (2001) – me deixou em estado de choque. Choque talvez pela identificação. Não com uma história pessoal, mas com um processo de isolamento que não parece, mas que conversa com um pequeno momento particular. No filme do francês, o cotidiano se movimenta para revelar para a personagem de Maggie Cheung a solidão que a acompanha e que era camuflada por conformismos e simplificações. Assayas faz o sentimento brotar da falta, da remoção da protagonista de um contexto que lhe trazia mimo, mas nunca abre muito espaço para a nostalgia, recurso extremamente comum e desgastado.
A belíssima trilha sonora de Brian Eno e o bom trabalho de fotografia, que nunca exagera da câmera trêmula, ajudam a compor o cenário melancólico proposto. A natureza errante do filme, que parece propor o desenraizamento como forma de alcançar um estado mais puro, mais perto do que é real, dá a Clean uma força poética embrutecida. As cenas têm a medida exata, não duram mais do que o diretor precisa para dar seu recado. Nesse sentido, há um extremamente feliz encontro entre roteiro e montagem, onde os fades interrompem diálogos que poderiam ganhar mais verborragia e, assim, garantir mais placidez ao desenrolar da história, justamente o que Assayas rejeita. Seu foco é a inquietude de Maggie Cheung, muito bem no papel, opção tão evidente que não se estabelece pólos de conflito. O campo de batalha é interior. A busca, solitária. Existe algo de muito mágico em se ver uma mulher decidindo ser mãe.
Clean
[Clean, Olivier Assayas, 2004]