ENCANTADORA DE BALEIAS

Há muitos filmes que conquistam o público por sua capacidade de encantamento. Filmes pequenos, que vencem pela beleza de suas peculiaridades, pela simplicidade de sua narrativa, pelo cuidado com cada detalhe singelo. A Encantadora de Baleias é um desses filmes. A delicadeza da história – e da condução da história – que o filme se propõe a contar garantiu uma bem-sucedida carreira em festivais espalhados pelo mundo, inluindo a Mostra de São Paulo, e citações em algumas das principais premiações dos críticos de cinema norte-americanos. O roteiro que apresenta a vida da garota maori destinada a ser a líder de sua aldeia, enfrentando a perseguição das tradições, conquistou platéias sobretudo pela encantadora performance da pequena Keisha Castle-Hughes (que conseguiu o imenso feito de ser indicada ao Oscar de melhor atriz aos 13 anos), numa interpretação capaz de verter lágrimas o mais durão dos durões. O filme nos revela uma cultura distante, com rituais e misticismos bem particulares, uma infinidade de códigos de conduta e, com capricho na composição das cenas externas, nos leva a uma jornada de superação. Mas o doce da narrativa do longa neozelandês esconde um sabor amargo.

A Encantadora de Baleias se estrutura numa soma de fórmulas cujo adjetivo mais educado para designá-las seria “gastas”. Chavões simpáticos, emocionais e francamente manipuladores. Vende sua história pelo exótico, o exótico alegórico, diga-se, de uma tribo que luta mostrando a língua, de um povo que vive em paisagens paradisíacas com uma relação de dependência com suas vizinhas baleias. Antropologia barata. O filme ancora no inegável talento para o drama e despojamento da pequena protagonista para montar um roteiro que recorre a estereótipos universais para abordar temas exaustos. O pai turrão, o filho artista, a mãe forte, o irmão bobo, a menina prodígio. Todos são figuras arquetípicas tão desgastadas que, trocados os atores por nomes ocidentais e as locações pelas de uma pequena cidade no litoral norte-americano, o roteiro poderia ter sido filmado com tranqüilidade nos Estados Unidos. Os maori daqui poderiam ser os índios sioux, os pescadores da costa brasileira, os moradores de uma vila japonesa ou até os esquimós de algum iglu do Ártico. O que importa – e diferencia – nesse longa é o quão exótico ele possa parecer. Utilizar-se de uma criança de grande capacidade dramática é um recurso tão maniqueísta quanto usar quadros imensos e demorados para enfatizar a vastidão onírica e bucólica das inabitadas praias neozelandesas. A Encantadora de Baleias engana fácil os ingênuos, os puros de coração, os sensíveis, os amantes da delicadeza com sua pretendida aura de filme de arte, construída com um empenho digo de boa nota pelo roteiro e pela direção. É uma história singela que esconde muito bem as intenções financeiras de seus realizadores.

A Encantadora de Baleias
Whale Rider, Nova Zelândia/Alemanha, 2002
Direção e Roteiro: Niki Caro, baseado na novela de Witi Ihimaera.
Elenco: Keisha Castle-Hughes, Rawiri Paratene, Vicky Haughton, Cliff Curtis, Grant Roa, Mana Taumaunu, Rachel House, Taungaroa Emile, Tammy Davis, Mabel Wharekawa, Rawinia Clarke.
Produção: John Barnett, Frank Hübner e Tim Sanders. Fotografia: Leon Narbey. Edição: David Coulson. Direção de Arte: Grant Major. Figurinos: Kristy Cameron. Música: Lisa Gerrard.

Comentários

comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *