Maeve Jinkings

Maeve Jinkings nasceu em Brasília, foi criada em Belém do Pará, vive em São Paulo, mas foi durante um tempo morando no Recife que conquistou o Brasil. Em terras pernambucanas, atuou, entre outros trabalhos, num filme que se tornou o maior fenômeno cultural dos últimos tempos em nossa cinematografia, O Som ao Redor. Entregou uma interpretação cheia de detalhes, fugiu dos maneirismos, conheceu melhor uma máquina de lavar – numa cena que Kleber Mendonça Filho tampou os olhos para pedir que ela fizesse, conta a atriz – e ajudou a traduzir a classe média das grandes cidades brasileiras. Simpaticíssima e super articulada, a moça, que já tem um nome sendo escrito no novo cinema brasileiro, aceitou responder algumas perguntas do Filmes do Chico, se mostrou uma entusiasta do cinema e uma cinéfila. Vida longa e próspera para Maeve Jinkings!

O que voce faria se sua VEJA viesse fora do plástico?

Em primeiro lugar, ficaria preocupada com os hábitos de leitura do porteiro do meu prédio. Depois disso, diria ao marketing da Abril para corrigir o endereço e nome do assinante. Eu mesma, jamais gastaria qualquer centavo para ter essa revista na reciclagem de casa.

O Som ao Redor mudou sua vida?

Em alguma medida, mudou sim. Meu trabalho teve uma exposição como jamais tive, o filme foi até muito longe, me apresentou lugares e pessoas até então muito distantes de mim, me proporcionou experiências muito fortes. E teve uma mudança interna também. Todo trabalho (personagem, roteiro, equipe) em alguma medida me transforma muito. Sempre. Bons trabalhos são também resultado de processos ricos de construção coletiva, e esses processos me transformam muito. O Som ao Redor me colocou em contato com pessoas que até hoje me inspiram, que falam de coisas que sempre me provocam, que me fazem pensar mais e melhor. Estou falando de Kleber, mas também de várias pessoas que fizeram parte da equipe e que sigo querendo ter por perto. E também estou falando do filme em si que, posso afirmar, transformou minha forma de pensar a cidade e seus processos históricos, e de como isso tudo nos afeta em cada pequeno frame de vida.

Você imaginava que o filme alcançasse o status de fenômeno cultural, como aconteceu?

Achava que seria um filme muito bom, porque vi essa potência no roteiro, na direção precisa e na trajetória de Kleber. Mas definitivamente não podia imaginar a carreira fantástica que o filme teve. Seis meses em cartaz no Brasil?? Isso é fantástico! Fui me surpreendendo a cada novo passo do filme. E ainda me surpreendo quando alguém desconhecido chega e fala do filme ou da Bia, de uma forma afetiva. O Som ao Redor teve pitadas de sorte em sua carreira, mas minha opinião é que, de forma geral, essa recepção é mérito de um filme que conseguiu captar ressonâncias profundas da sociedade hoje.

Uma das cenas mais marcantes de sua personagem em O Som ao Redor é uma releitura de uma cena de Eletrodoméstica, curta do Kleber Mendonça Filho. Como foi recriar esta cena?

Conversei muito com Kleber sobre essa cena, e por mais que seja uma cena clássica do Eletrodoméstica, não pretendíamos copiá-la na forma como foi filmada na primeira vez. Assisti esse curta antes de filmar, como assisti todos os outros curtas e Crítico (longa documental de Kleber) para compreender o universo dele. Mas fiz isso por iniciativa própria. Por incrível que pareça, em nenhum momento Kleber fez referencia à cena do curta, nem me pediu pra assisti-lo. Interessava a Kleber descobrir outra Bia, inclusive porque ele expandiu o universo da personagem em outras cenas, dialogando com uma trama que está além do apartamento dela e permeado de outros acontecimentos e personagens. Isso tudo já coloca a cena naturalmente em outro lugar. O que há de convergência e que me alimentou sempre, a cada cena, foi esse lugar claustrofóbico, a arquitetura do entorno, grades, portões, chaves, os sons da vizinhança, a solidão, a presença forte da família… a mãe feliz e amorosa, mas também uma mulher confusa explodindo por dentro. Durante as filmagens, foi engraçado como Kleber ficou tímido ao me pedir pra colocar a mão dentro da calcinha durante um super close. Ele cobriu o rosto com as mãos, e perguntou se era possível. Ele é um lorde!

O Som ao Redor traduz muito do cotidiano e dos movimentos de uma grande cidade que ainda guarda muito de uma cidade pequena. Como você enxerga o filme?

Desde a primeira leitura do roteiro, sempre tive a sensação de estar diante de uma coletânea de crônicas hiperrealistas que, numa espécie de mosaico e na relação entre si, falam de mim, do meu vizinho que nunca vejo, do meu entorno. Uma forma de voyerismo urbano. Foi minha primeira impressão, me senti representada. Me impressiona como o filme consegue ser representativo de vários pontos de tensão e ternura na relação com a cidade e as pessoas que a habitam. Mas o que mais me toca no filme, é com certeza a ponte que ele faz entre nosso presente e o passado escravocrata do nosso país, e de que forma isso se reflete em nosso cotidiano, em vários aspectos. De que forma ele nos implica (a todos) na reprodução de uma dinâmica muito perversa. Eu me enxerguei ali em vários momentos, e nem sempre foi confortável… Um amigo me disse depois de assistir ao filme: “É muito espelho demais pra narciso ridículo dar conta em pouco tempo”. Ele se referia aos conflitos silenciosos, coisas não ditas, relações Casa Grande-Senzala que reproduzimos sem consciência, quase sempre fingindo não ter nada a ver com isso.

O Som ao Redor fez grande sucesso no circuito internacional de festivais. Você chegou a fazer contato com cineastas de fora do país?

Sim, conheci alguns que admiro muito, mas tive contatos mais próximos com diretores da América Latina, o que acho fantástico. Talvez isso tenha acontecido porque alguns festivais promovem encontros e debates de artistas por região de origem. Há vários diretores latinos com quem gostaria de trabalhar.


Maeve Jinkings

No ano passado, você apareceu em três filmes de destaque no cenário brasileiro: Era uma Vez Eu, Veronica; Boa Sorte, Meu Amor e, claro, O Som ao Redor. Aconteceu tudo ao mesmo tempo?

Era Uma Vez… foi filmado apenas 2 meses depois de rodarmos O Som ao Redor. Na mesma época em que eu vivia em Recife, em 2010. Boa Sorte… foi filmado um ano depois. Mas foram lançados quase ao mesmo tempo. Acontece também que muitos realizadores trabalham em filmes de colegas, executando uma outra função, e depois vão fazer seus próprios filmes chamando parte da equipe. Foi o caso do Daniel Aragão, que conheci quando ele fez o casting de O Som ao Redor.

Os três filmes são de diretores pernambucanos. Dá pra dizer que o cinema feito em Pernambuco se destaca do que é produzido no resto do Brasil?

Ouso dizer que sim. Quando falo disso, morro de medo de ser simplista, há várias razões possíveis pra explicar esse ciclo de ouro que acontece hoje no cinema feito em Pernambuco. O namoro histórico do pernambucano com audiovisual; a geração da retomada (Lirio Ferreira, Claudio Assis, Marcelo Gomes, Paulo Caldas) que junto com movimento manguebeat veio abrindo muitos caminhos desde os anos 90 para produções culturais, inclusive formando essa geração atual; o incentivo do governo do estado de Pernambuco hoje (acima da média de políticas de apoio ao audiovisual em outros estados); a geração atual que está sabendo o que fazer com toda essa herança…. O fato é que basta olhar os festivais de cinema dos últimos anos, dentro e fora do Brasil, e perceber que há sim um destaque muito evidente de filmes pernambucanos.

Em Veronica, você tem uma personagem pequena, mas muito forte. Como foi contracenar com Hermila Guedes e como foi o trabalho com Marcelo Gomes?

Hermila e Marcelo foram muito generosos. Muito mesmo. A cena era difícil, ele queria uma mulher já chorando. No ensaio tudo correu muito bem, mas Marcelo fez alterações um pouco antes de filmar, tirando uma cena anterior que eu tinha e praticamente todo o texto. Esses elementos eram grande parte do estímulo que eu tinha pra chegar num pico dramático que resulta na cena do consultório. Pediu que eu nem olhasse pra Hermila, apenas pra parede. Eu, claro, queria dar o melhor de mim ao filme, a eles. Me senti vazia sem os estímulos da cena anterior, e tive dificuldades pra me concentrar. Marcelo parou de rodar, Hermila perguntou se podia me dar um abraço, e depois me olhou no olho da forma mais doce possível. E Marcelo também, da forma mais doce e silenciosa, recomeçou. Fizemos a cena novamente, encontrei outros estímulos físicos (acabei triturando a bolsa que tinha em minhas mãos). Esses momentos de comunhão e generosidade num trabalho, são pérolas. É disso que me lembro quando penso neles e nesse trabalho.

Boa Sorte, Meu Amor é o mais autoral entre os filmes dos quais você participou. No sentido de ter certos hermetismos mesmo. Como você encaixa o filme dentro do cinema brasileiro hoje?

Não tenho idéia. E te confesso que não acho esse filme tão hermético assim. Além disso tenho muita dificuldade em encaixar as obras em algum lugar, mas devo dizer que é muito diferente de tudo que vejo hoje. É um filme muito pessoal e corajoso, que só Daniel poderia ter feito. Mas ao mesmo tempo, o vejo dialogando com vários outros filmes, inclusive com O Som ao Redor. A relação com a cidade que cresce de forma caótica, enquanto o protagonista parece ascender pela mesma razão sem qualquer conhecimento de si; o passado escravocrata e a forma como isso se reflete nas relações sociais e, nesse caso, também na relação com o outro sexo; a relação interior/cidade; um certo acerto de contas por meio de um retorno a esse passado no interior; a “morte”… Mas Boa Sorte, Meu Amor faz isso com contornos quase expressionistas no tratamento da fotografia, no uso do som (que acho sensacional), e de algumas interpretações.

Segundo o IMDB, você está envolvida em dois novos projetos: Amor Plástico e Barulho” e Brega Nights, o que dá pra dizer sobre eles?

Na verdade trata-se do mesmo filme, que no início chamava-se “Brega Nights” e agora chama-se Amor Plástico e Barulho“, da Renata Pinheiro. Estrearemos no Festival de Brasília 2013, no próximo mês. Estamos todos felizes com isso. Sou fã dos curtas da Renata. Amo esse filme por várias razões, mas o que posso dizer agora é que foi, até hoje, a personagem mais complexa e desafiadora que já tive a chance de viver.

Você se formou em comunicação social. Como decidiu se tornar atriz?

Queria ser atriz e veterinária desde os 10 anos de idade, apesar de também ter pensado em ser psicóloga e dentista. Na verdade amo biologia, os estudos científicos sobre nossa espécie, nossa condição animal. Isso afeta minha forma de ver a interpretação, ainda hoje. Cursei comunicação social apenas porque em Belém, onde morava até então, não havia curso superior de artes dramáticas. Só vim encontrar isso em São Paulo, depois de formada na primeira faculdade.

Quais seus filmes favoritos? Você se considera uma cinéfila?

Me considero cinéfila sim, mas quando converso com meus amigos cineastas me acho a cinéfila mais meia tigela do mundo. Tenho vários filmes favoritos, e eles muitas vezes mudam de lugar conforme a época, conforme mudam minhas preocupações ou interesses imediatos. Mas alguns filmes têm um lugar na eternidade pra mim porque, ainda na minha infância, despertaram minha paixão por esse universo paralelo de espiar o comportamento humano numa sala escura com um ponto de luz. Esses filmes são O Garoto do Charles Chaplin, O Baile, do Ettore Scola, e 2001 – Uma Odisséia no Espaço, do Kubrick.

O vídeo abaixo mostra um convite de Maeve Jinkings para que o espectador assista O Som ao Redor. Resista se puder:

Comentários

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10 comentários sobre “Entrevista: Maeve Jinkings”

      1. Não importa onde ela nasceu , importa o lugar onde foi criada , dos 5 aos 21 anos , em Belém do Pará . O que marca a vida da pessoa é a infância e adolescência , portanto aos 21 anos já estava com sua formação consolidada, inclusive o sotaque típico do belenense da classe média.Tanto que morou em SP e PE e o sotaque não mudou , apenas aperfeiçoou com aulas de dicção que deve ter recebido no RJ para interpretar papéis em novelas da Globo.

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