Eugène Green, Paul Vecchiali, Lav Diaz. Cineastas com carreiras extensas e filmes que ampliam e transcendem os padrões do que é normalmente lançado nos cinemas brasileiros. Diretores que só este ano tiveram filmes exibidos em circuito no país. Tudo graças a um movimento ousado de uma distribuidora nova, que deu uma chacoalhada do estagnado chamado “circuito de arte” nacional. Comandada pelos cineastas Pedro Henrique Leite e Gracie P, a Supo Mungam Filmes foi a grande supresa do mercado cinematográfico do Brasil em 2015. Conversei com os dois
A Supo Mungam surgiu em 2015 com a proposta de lançar comercialmente filmes arriscados até mesmo para o chamado circuito “de arte”. Como e por que surgiu a ideia da distribuidora?
Pedro: Sempre discutimos as possibilidades cinematográficas aqui no Brasil. Observando a falta, no circuito brasileiro, de muitos filmes que consideramos importantes, decidimos criar a Supo Mungam, e melhorar um pouco este problema. É muito importante trazer obras de cineastas que já possuem uma extensa filmografia, mas que nunca tiveram filmes distribuídos por aqui, e também de cineastas que estão nos seus primeiros longas-metragens.
Gracie: A ideia de distribuição nunca havia passado pela minha cabeça antes. Em 2012, quando conheci o Pedro, estávamos filmando meu curta e foi nessa época que começamos a conversar sobre montar uma distribuidora. Tanto para distribuir nossos filmes quanto obras de outros países. Atualmente estamos na pré-produção do primeiro longa produzido pela Supo Mungam.
O circuito “de arte” está viciado?
Pedro: Filmes europeus, que fizeram milhões de espectadores em seus países, estreiam no Brasil com este selo, o “de arte”. O problema é o que isso gera na cabeça do espectador, pois quando ele for assistir um filme que foge dessas regras, a experiência será bem diferente, positiva ou negativamente. La Sapienza (de Eugène Green) e Noites Brancas no Píer (de Paul Vecchiali), dois filmes de cineastas nunca distribuídos no Brasil, causaram um pouco disso. Os filmes tiveram sessões com excelente público, mas sabemos que muitos saíram antes delas acabarem, alguns já nos primeiros minutos. Mas mesmo assim, semana a semana, os filmes continuaram lotando as salas. Saíram de cartaz, com as sessões cheias. Isso prova que boa parte dos espectadores está em busca de algo diferente. Isso é muito importante.
Gracie: O circuito “de arte” sempre busca o mesmo “estilo” de filme que normalmente ganha um grande espaço. Você encontra no cinema filmes assim quase toda semana. Essa semana tem um, na semana que vem tem outro, etc. É um vício que algumas vezes irrita o próprio público. Esse vício “de arte” está presente mesmo até em alguns festivais.
Qual o grau de dificuldade que uma distribuidora tão pequena tem para encontrar espaço pros filmes no circuito?
Gracie: Atualmente, são lançados muitos filmes. A disputa por espaço é muito grande. Todos querem os melhores horários e salas. Isso dificulta bastante. Sem contar a conversa com o exibidor. Ou seja, nem sempre ganhamos.
Pedro: Se em uma semana de estreia existir filmes de atores e diretores conhecidos e que tem uma grande divulgação, o nosso ficará na reserva, podendo ou não estrear. Passamos sempre por um processo de convencer o exibidor e de encontrar um bom espaço para o filme, sempre nas semanas da estreia. Quando isso não acontece, é realmente muito triste, pois às vezes interfere nos próximos filmes que lançaremos. O que precisa ter é um bom espaço e alternativas para que filmes como os nossos possam permanecer mais tempo em cartaz, para que o público tenha como descobri-los.
Vocês entraram no mercado num ano de crise. Qual foi o impacto disso para vocês? O investimento está valendo a pena? O quanto o primeiro fim de semana representa para a carreira do filme?
Gracie: Somos conhecidos como loucos pela proposta que temos. Independente de crise ou não, o impacto seria o mesmo. O investimento vale a pena, não apenas por fazer o que gostamos, mas também por saber que estamos formando um público. O primeiro fim de semana é importante para o filme, pois é o que define se ele continua. Isso depende muito do público.
Pedro: Recentemente a Ancine reajustou os valores da Condecine. E isso, para os filmes que distribuímos, não é bom. As taxas são desiguais, e ainda precisa ser feito algo quanto a isso. Quanto ao nosso investimento, fazemos sempre aquilo que dá para fazer. Sempre com um limite, para não ter nenhum tipo de problema. Isso serve para todos os filmes. Vale a pena pois é muito importante para nós lançarmos estes filmes no Brasil. Queremos oferecer algo novo para o espectador. Algo que pode mudar sua percepção quanto ao cinema. Para nossos filmes, o que ajuda é o boca a boca e, neste caso, temos que ter isso antes da estreia, pois assim o filme já entra em cartaz comentado.
Qual a maior bilheteria da Supo Mungam até agora? E qual o filme que mais tempo ficou em cartaz?
Gracie: A maior bilheteria e o filme que ficou mais tempo em cartaz foi o La Sapienza. O filme fez um excelente público em cada cidade que esteve. A cidade em que o filme ficou por mais tempo foi o Rio de Janeiro (9 semanas), seguido de Porto Alegre (7 semanas) e São Paulo (5 semanas).
Vocês lutaram durante muito tempo para lançar “Norte, o Fim da História”, o primeiro filme do Lav Diaz a entrar em circuito. O filme tem 250 minutos, o que é um marco para o circuito brasileiro. “Mistérios de Lisboa”, do Raúl Ruiz, tem 272 minutos, mas foi lançado pelo Cinesesc, que tem sala própria. O quanto a duração atrapalhou no lançamento? Como vocês chegaram à conclusão de que o investimento valeria a pena? E que estratégias a Supo Mungam está criando para lançar “Do Que Vem Antes”, outro filme de Diaz, comprado também por vocês, e que tem 338 minutos?
Gracie: As pessoas se assustam ao ver que um filme com essa duração está no circuito comercial. Teve exibidor perguntando para nós se seria possível dividir o filme. Claro que existem filmes que são divididos para estrear comercialmente. Mas não é o caso do Norte e muito menos o Do Que Vem Antes. A luta nunca acaba, só não queremos que essa luta se estenda e prejudique o lançamento do nosso próximo título do Lav Diaz.
Pedro: Sobre a duração, acho que isso também se deve a como o circuito está hoje, assim como a produção mundial, seguindo quase sempre um padrão. Distribuindo o filme, acreditamos que isso abrirá mentes e caminhos no circuito. Quanto ao investimento, sabíamos do risco desde o início. Foi um dos primeiros títulos adquiridos por nós. A ideia é que este filme valoriza o circuito e principalmente o Cinema. E também que este, assim como nossos outros filmes, possam ajudar na construção de um novo olhar em parte do público. Quanto ao Do Que Vem Antes, a estratégia será um pouco diferente, pois a duração deste é maior. Já estamos em busca de salas que possam exibí-lo. Tínhamos um pré-calendário para o primeiro semestre de 2016. Recentemente sofreu algumas pequenas mudanças, mas tudo está encaminhado. Do Que Vem Antes estreia no início do próximo ano, mas ainda estamos em busca de novas salas/cidades para o Norte. No geral, esperamos que muitos possam conhecer as obras de Lav Diaz no cinema, assim como as outras obras da Supo Mungam.
Lançados
Um Jovem Poeta, de Damien Manivel (Un jeune poète – França – 2014)
Noites Brancas no Píer, de Paul Vecchiali (Nuits blanches sur la jetée – França – 2014)
O Desejo da Minha Alma, de Masakazu Sugita (Hitono Nozomino Yorokobiyo – Japão – 2014)
Top Girl ou Deformação Profissional, de Tatjana Turanskyj (Top Girl oder la déformation professionnelle – Alemanha 2014)
Party Girl, de Marie Amachoukeli, Claire Burger e Samuel Theis (Party Girl – França – 2014)
Rua Secreta, de Vivian Qu (Shuiyin Jie – China – 2013)
La Sapienza, de Eugène Green (La Sapienza – França/Itália – 2014)
Respire, de Mélanie Laurent (Respire – França – 2014)
Norte, o Fim da História, de Lav Diaz (Norte, hangganan ng kasaysayan – Filipinas – 2013)
Próximos lançamentos
Body, de Malgorzata Szumowska (Cialo – Polônia – 2015)
História da Minha Morte, de Albert Serra (Historia de la meva mort – Espanha/França – 2013)
Autorretrato de uma Filha Obediente, de Ana Lungu (Autoportretul unei fete cuminti – Romênia – 2015)
Do Que Vem Antes, de Lav Diaz (Mula sa kung ano ang noon – Filipinas – 2014)
É o Amor, de Paul Vecchiali (C’est l’amour – França – 2015)
Dois Rémi, Dois, de Pierre Léon (Deux Rémi, Deux – França – 2015)
DEMON, de Marcin Wrona (Demon – Polônia/Israel – 2015)