Faroeste Caboclo

Não teve medo o tal de René Sampaio de transformar em filme um dos maiores hinos de uma das bandas mais icônicas do rock brasileiro. Medo porque tudo o que envolve o Legião Urbana é cercado por uma aura mítica e encontrar o equilíbrio entre a fidelidade à obra original, agradar aos fãs e fazer um filme para um público grande, como a natureza do objeto pede, mesmo que o projeto seja mais particular, não são tarefas muito simples. Além disso há poucos filmes baseados em letras de músicas, ainda mais quando se trata do primeiro longa-metragem de um diretor. O cineasta corria riscos e resolveu não se render a concessões.

No cinema, a saga de João de Santo Cristo, escrita por Renato Russo em Faroeste Caboclo, manteve o espírito da canção: é muito mais um romance policial do que um western brasileiro. Há algumas liberdades, mas a história principal é bem fiel em relação à letra da música. Sampaio sabe que identificar personagens “cantados” durante tanto tempo criaria vínculos entre espectador e filme, então, apresenta cada um com certa pompa. João de Santo Cristo, Maria Lúcia, Pablo e Jeremias, os protagonistas desta história, entram em cena com a função de materializar esse imaginario coletivo, mas não são feitos para agradar quem espera ver uma grande saga de amor no sentido mais tradicional da expressão.

Para começar, o herói do filme é um traficante de drogas, negro, que vive à margem da lei e a mocinha é uma jovem que não dispensa substâncias proibidas para viver na Brasília do fim dos anos 70. Isís Valverde teve que convencer o diretor de que ele deveria escalá-la para o papel. Ele queria uma atriz desconhecida, mas o fato de uma estrela global aparecer fumando maconha durante um filme inteiro dá novo sabor para Faroeste Caboclo. Fabrício Boliveira, embora já tenha feito alguns trabalhos na televisão, é um ator pouco conhecido e não faz o estereótipo de galã. O casal de protagonistas foge aos padrões, o que dá uma liberdade extra ao filme para que ele se liberte de algumas prisões estilísticas.

René Sampaio já tinha assinado alguns curtas. O mais famoso e premiado deles, Sinistro (assista aqui), é uma espécie de thriller noturno que empresta um pouco de seu universo visual para Faroeste Caboclo. Grande parte das cenas do longa se passa à noite, o que permite que a fotografia explore ângulos e lugares de Brasília como raramente vemos no cinema em vez de buscar imagens bonitas, caso da maioria dos filmes brasileiros recentes. Pelo contrário, o diretor parece querer um filme visualmente sujo, talvez para dar maior impacto e texturas mais realistas à trama. Um exemplo é a cena em que um personagem conversa com outro, que está dentro de um carro. A sujeira do vidro incomoda o espectador, que não vê claramente quem está falando. Uma preocupação que parece tola, mas traduz a intenção de Sampaio de não fazer uma obra agradável.

Um dos roteiristas do filme é Marcos Bernstein, que assinou a cinebiografia de Renato Russo, Somos Tão Jovens, um filme bem mais interessado em deixar o público confortável com o que vê na tela. Um dos maiores pecados do roteiro daquele filme era incluir no texto trechos de letras ou títulos de músicas do Legião Urbana. Em excesso, a brincadeira teve o efeito contrário. Em Faroeste Caboclo, Bernstein reprisa a ideia numa cena em que fala que “os malucos da cidade souberam da novidade” e um personagem completa “tem bagulho bom aí!”. Isolada, a citação funcionou muito melhor. Na cinebiografia de Renato Russo, existe uma sequência que conta a história de como o compositor se inspirou para escrever Faroeste Caboclo. Não é uma cena das melhores, mas serve como um interessante complemento para o longa de René Sampaio. Um filme melhor do que poderia se esperar porque seu diretor tentou contrariar das mais variadas maneiras as expectativas em torno dele.

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[Faroeste Caboclo, René Sampaio, 2013]

Comentários

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7 comentários sobre “Faroeste Caboclo”

  1. Sai da sala do cinema ontem com sensação semelhante Adriano. Por acrescentar, só acho que a narração de João poderia ter sido melhor, ou simplesmente não ter existido. Além disso, os flashbacks ficaram um pouco viciados e ficou nítido que isso segurava a narrativa. Um pouco do estilo do cinema clássico dos anos 40. :/
    Acho que o montador mandou bem na cena do cárcere do João, trabalhando de forma criativa as fissuras do tempo. Ademais, a fotografia me agradou bastante trazendo uma composição bem diferente dos já conhecidos planos/contraplanos da Globo Filmes.

  2. Eu gostei, seu Chico. Tem problemas aqui e ali (perde ritmo do meio pro final e a sequencia da delegacia, das fotos à fuga, é inverossímil), mas no todo é eficiente e cumpre o que promete. Acho que as liberdades que toma em relação à letra da música são um mérito. Gosto de detalhes, como a morte do pai, seca, rápida e sem nenhum apelo melodramático. Ísis e Fabrício estão muito bem… Fui ver sem grandes expectativas e saí no lucro.

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