O Conto dos Contos ½
[Il Racconto dei Racconti, Matteo Garrone, 2015]
O primeiro filme em inglês do italiano Matteo Garrone é uma fantasia clássica que amarra três contos morais sobre abusos de poder de reis. Salma Hayek, Toby Jones e Vincent Cassel colhem os frutos de suas obsessões numa produção de época ambiciosa, cheia de efeitos visuais – alguns bons, outros nem tanto – que evoca um cinema às antigas. É curioso notar a escolha de Garrone, que sempre lidou com temas mais sérios e atuais em seus filmes (Gomorra é sobre a máfia e Reality sobre um homem comum encantado com a possibilidade de virar celebridade). O problema é que durante todo o filme o cineasta nunca se mostra totalmente à vontade em entrar por este universo. E, além disso, se as histórias remetem a tramas clássicas, os contos com lição de moral parecem bem ingênuos para os dias de hoje. As tramas e as soluções de roteiro são bem óbvias e nenhum ator está especialmente bem nos papéis. A cena do escafandro, com direito a um “monstro do lago” é uma das melhores, remetendo diretamente a Fritz Lang em Os Nibelungos: A Morte de Siegfried.
Love & Mercy ½
[Love & Mercy, Bill Pohlad, 2015]
Love & Mercy é um tiro certeiro no coração de quem gosta de música. Especialmente de música dos anos 60. A princípio, o filme parece esquemático e oficialesco, mas a biografia de Brian Wilson, dos Beach Boys, cresce aos pouquinhos e, cena a cena, o espectador passa a encontrar nesse retrato do “Gênio” um filme tão bonito e sincero, mesmo com seus lugares comuns e seu joguinho fácil de “passado” e “presente”. A primeira impressão não é a que fica. Há muitas cenas excelentes das gravações de Pet Sounds – o maior disco de todos os tempos? – que mostram com certa originalidade (visual, inclusive) a maluquice da cabeça de Wilson. Paul Dano está impressionantemente bem como o jovem Wilson, barrigudo e impregnado pelos seres que habitavam aquela cabeça, e John Cusack sai do caricato para o delicado, justificando a segunda época do filme, que se passa nos anos 90 e que ainda tem a especialíssima Elizabeth Banks. O clima é triste, só que alegre, como as música dos Beach Boys. Bill Pohlad, que só tinha dirigido um filme lá no começo dos anos 90 para depois se dedicar à produção dá sinais de que pode vir muita coisa boa a seguir.
Straight Outta Compton: A História do N.W.A.
[Straight Outta Compton, F. Gary Gray, 2015]
Straight Outta Compton, o disco, inaugurou o gangsta rap e mudou para sempre a cena musical dos EUA. Talvez do mundo. Já a cinebiografia do grupo N.W.A., que ganhou o mesmo nome do álbum, se esforça para dar uma limpada na história da banda que revelou Ice Cube, Dr. Dre e Easy-E. Para um filme que fala diretamente sobre ascenção à fama e aos milhões de dólares e namora com gânsters e traficantes, há poucas menções a drogas, quase nenhuma a sexo e apenas uma cena – essa bem explícita, por sinal – que fala de abuso de armas. O diretor F. Gary Gray parece não querer comprometer muito os integrantes com o que possa parecer deméritos. No entanto, ele compensa no retrato musical do grupo, nas cenas de criação das músicas, de gravação do disco e nas apresentações. A certa altura o filme assume uma postura corajosa, relatando as brigas internas e a separação do grupo. O elenco está afinado. O’Shea Jackson Jr, filho de Ice Cube, interpreta o pai, que é quem sai mais de mocinho da história. Mas o maior destaque vai para Jason Mitchell, que vive Easy-E. Nos melhores momentos, temos a gênese e a catarse criada por “Fuck Tha Police”.