Eu, Você e a Garota que Vai Morrer
[Me and Earl and the Dying Girl, Alfonso Gomez-Rejon, 2015]
As expectativas eram bastante altas, mas o filme que ganhou o Festival de Sundance, apesar de completamente simpático, é pouco mais do que uma versão hipster de A Culpa é das Estrelas. Alfonso Gomez-Rejon trabalha a partir da novela de Jesse Andrews, que tem um texto cheio de piadinhas pops como todas as que você viu nos últimos 100 filmes indies americanos e ajuda a traduzir as brincadeiras do autor com sequências de animação, fofuras e muita melancolia. O filme não tem aquela aura loser de Hora de Voltar. Pelo contrário. Brinca o tempo inteiro e ainda oferece alguma reflexão sobre a vida. Parece autêntico, mas muitas vezes é adolescente demais e a comédia parece ser o fim e não apenas o meio. Os três jovens atores estão ótimos nos papéis-título. Thomas Mann e RJ Cyler têm um timing de humor excelente e ultrapassam suas personagens quando o roteiro não sabe muito bem para onde levá-las. E Olivia Cooke ainda vai ser grande. Tem uma maturidade impressionante para um papel bem delicado, sobretudo nas primeiras cenas. Pena que, a certa altura, o filme a abandone sem muita explicação talvez para dar espaço para a embalagem final, bem careta, bem contrária ao que o longa parecia querer pregar, como se o diretor dissesse que é bobagem querer ser diferente quando o destino já está escrito. Tem cenas bonitas ao longo de todo o filme e quilos de cinefilia nos filmes amadores que Greg e Earl dirigem para se divertir. Mas alguma coisa fica pelo caminho.
The Diary of a Teenage Girl ½
[The Diary of a Teenage Girl, Marielle Heller, 2015]
Uma belíssima surpresa. Se Eu, Você e a Garota que Vai Morrer parte do sarcasmo para chegar ao lugar comum, a premissa deste filme sai deste mesmo lugar comum para encontrar observações ousadas e inteligentes sobre a vida. Marielle Heller, em seu primeiro longa como diretora, não tem pudores em reproduzir a visão libertária que a autora do livro, Phoebe Gloeckner, tem do mundo. Escritora e cineasta passam por temas espinhosos, incesto e pedofilia, abrindo mão de dar peso ao tabu, forçando o espectador a enxergar a situação de uma maneira muito mais simples e ampla, por mais contraditório que isso possa parecer. Ao redistribuir responsabilidades sem apontar culpados, o filme não se abstém de tratar o assunto com seriedade e abre espaço para o humor, que nunca é ingênuo, mas também não passa do ponto. Heller e Gloeckner parecem ter encontrado o intervalo correto para estudar a sexualidade de uma adolescente: o intervalo entre a criança e o adulto. O texto irônico e provocador ganhou na protagonista Bel Powley, numa das melhores interpretações femininas dos últimos tempos, uma porta-voz perfeita, que não consegue controlar sua libido e seu coração. Doce, safada, adolescente. E corajosa, como Alexander Skarsgård e Kristen Wiig, ambos muito bem, desafiando os limites do politicamente correto.
Right Now, Wrong Then ½
[Ji-geum-eun-mat-go-geu-ddae-neun-teul-li-da, Hong Sang-soo, 2015]
Hong Sang-soo não se cansa de emular Woody Allen, inclusive com a câmera variando para lugares inusitados como a copa de uma árvore seca depois que é abandonada pelo ator, que sai de quadro. De Allen, o coreano também rouba o improviso das situações e um certo descaso com as explicações: as personagens surgem e desaparecem meio do nada e o que é dito numa cena é desmentido na outra sem que ninguém ligue muito pra isso. Posto isso, Right Now, Wrong Then, vencedor do Leopardo de Ouro no Festival de Locarno, guarda muitas semelhanças com o filme anterior do cineasta, Montanha da Liberdade, também na seleção do Festival do Rio. Todos os longas de Hong Sang-Soo são muito parecidos entre si, mas o fato dos dois filmes terem um casal de protagonistas errando pela cidade – que parece a mesma – e passando por cafés pode incomodar quem assiste aos dois títulos num intervalo pequeno de tempo. Mas a impressão muda um pouco no decorrer deste novo filme que vai crescendo aos poucos e se transforma em dois. O casal de protagonista, Jae-yeong Jeong e Min-hee Kim, não têm a mesma química dos protagonistas do filme anterior, mas funcionam bem. A grande sacada de Sang-soo é a brincadeira com a estrutura, que já parecia super bem resolvida em Montanha da Liberdade, onde uma cena em que papéis se embaralharam literalmente muda a cronologia do próprio longa. Aqui, as coisas parecem mais simples. Duas linhas narrativas, como o próprio Allen já fez em Melinda e Melinda, mas desta vez bastante separadas uma da outra. E o que parecia simples ganha complexidade aos poucos, com o humor de Sang-soo valorizando as personagens e dando a quem assiste ao filme um motivo para se apegar àquela história que se reiventou.