Na melhor cena de Homem-Aranha 2, o herói, sem máscara, mostra porque é o mais popular do planeta. O homem comum, o cara da esquina, o jovem que pode ser sobrinho, vizinho, namorado, melhor amigo. A identificação do espectador e, antes dele, do leitor com o Homem-Aranha vem da sua natureza falível, próxima, quase suburbana. O herói que surge em meio ao povo. Ele é um dos milhões de cidadãos comuns que cruzam o seu caminho todos os dias. Sam Raimi é um diretor de talento. Muito talento. Nos dois filmes que fez sobre o herói, ele abraça sem concessões o espírito que Stan Lee embutiu ao aracnídeo. Não há poderes extremos, origem idealizada, grandes motivações. Peter Parker é vítima do acaso, golpeado pela exceção. É herói porque é assim que deve ser.
Neste segundo filme, o texto está melhor elaborado e as metonímias menos planejadas. É um longa tranqüilo, que chega sem alarde, como o protagonista que o inspira. O incômodo com a solução visual para o Duende Verde é substituída por um excelente trabalho de construção do Doutor Octopus. Alfred Molina transpira o personagem, o que, combinado à perfeição técnica, garante um vilão assustador sem exageros estereotipados. Octopus é quase tão puro de intenções quanto Peter Parker, que mais uma vez ganha uma interpretação impecável de Tobey Maguire, que nasceu para fazer o Homem-Aranha. Sem Maguire, dificilmente Raimi teria conseguido resultados tão bons em seus dois filmes.
O diretor está mais à vontade e joga todas as fichas no lado que mais cativa o fã: o bastidor. Aqui, conta com duas aliadas estratégicas. A primeira é Rosemary Harris, que ganhou mais destaque como a Tia May e protagoniza duas das melhores cenas do filme por motivos diferentes: numa, é raptada pelo vilão e levada para o alto de um prédio, no melhor estilo King Kong (motivo que faz desta uma cena deliciosa: ritmo ágil, tensão constante, efeitos perfeitos); na outra, diz para seu sobrinho qual o significado de ser herói e de ter um herói em que se espelhar. Fala tudo o que eu sempre achei (fazer o quê? Sou assim mesmo…) e nunca consegui um jeito legal de dizer. A segunda aliada é Kirsten Dunst. Sua Mary Jane Watson está muito mais linda e ganha muito mais espaço (aquela cena do diálogo em que surge o Octopus é muito boa para ter sido desperdiçada num trailer).
Tia May e Mary Jane são coadjuvantes de Peter Parker, o que humaniza o herói. O tom cômico de algumas seqüências dá equilíbrio à obra, embora acha uns excessos bobos, como a cena do elevador. Homem-Aranha 2 é sobre o cara que é o herói e não sobre o herói em si. Sam Raimi constrói um filme nostálgico, que nos remete às mais puras recordações da infância, quando o mundo ainda era apenas um grande território para ser conquistado junto com um verdadeiro herói.
Homem-Aranha 2
[Spider-Man 2, Sam Raimi, 2004]
Teste.