Os adultos não se importam em Derry, a pequena cidade do interior dos Estados Unidos onde crianças estão desaparecendo em série. A maioria segue sua vida. Nem questiona o assunto, muito menos tenta buscar explicação para o problema. Alguns pais até colam cartazes com fotos dos garotos e garotas desaparecidos, mas parecem aceitar, praticamente inertes, num luto um tanto modesto, seu destino. Os mais sensíveis ainda esperam seus filhos na porta da escola, como se torcessem para que eles saíssem – magicamente – de algum cativeiro desconhecido. Estes, talvez, sejam os únicos capazes de entender Billy, o pré-adolescente que não consegue aceitar o desaparecimento de seu irmão. It – A Coisa é a jornada de Billy por um mundo fantasmagórico onde o único objetivo é encontrar Georgie.
Perder o irmão caçula, que foi brincar na chuva com um brinquedo feito por ele, foi demais para o garoto. A culpa e a saudade Billy numa busca incessante por respostas e por conforto. Diante de pais incrédulos e adultos apáticos, o protagonista desta história só pode contar com seus iguais, as crianças, os amigos que junto com ele formam um grupo conhecido como O Clube dos Perdedores, uma menina difamada na escola, um garoto gordinho atacado por bullies e um menino negro, que vive na periferia da cidade, vítima de todos os tipos de preconceito. Mini-outsiders, que, além de ajudar Billy em sua peregrinação pessoal, parecem querer atenção, liberdade, relevância e alguma voz.
It – A Coisa é, antes de tudo, um rito de passagem.
Um dos maiores méritos de qualquer obra que trafegue por genêros fantásticos, seja o horror, a ficção-científica e a própria fantasia, é sua relação com o cânone. Nos tempos cínicos em que vivemos, quando a regra é desconstruir e qualquer manifestação que pareça atender a essa demanda é celebrada como inquietação artística, é ainda mais ousado reafirmar ideias e conceitos, assumir os elementos mágicos ou sobrenaturais como coração da obra fantástica e, o mais importante, dar substância ao trabalho, investindo em peças que parecem secundárias quando se trata deste universo: textura dramática, preocupação com as personagens, direção de atores, consistência de roteiro.
A nova versão de It – A Coisa não morre no susto, embora tenha muitos deles, nem se resume à brincadeira, embora saiba rir de si mesma. A própria maneira como Pennywise se movimenta (e a interpretação de Bill Skarsgård como um todo, com sua voz infantilizada) parece olhar com certa ironia, mas sem nunca faltar ao respeito, para a ideia do vilão ser um palhaço. O filme é bastante feliz nesta construção do drama, atencioso em relação aos detalhes e ainda cumpre um requisito obrigatório para qualquer longa: pensa cinematograficamente as cenas, embora talvez dê mais importância à elegância e ao bom acabamento do que necessariamente ofereça uma visão particular na construção do horror.
O argentino Andy Muschietti, diretor das duas encarnações, curta e longa, de Mama, parece bem ciente de que precisa traduzir a história que Stephen King escreveu há mais de 30 anos para um público sarcástico. Ele investe no humor, faz referências pop, mas seus focos são os laços entre os personagens, desdobrando arquétipos sem esterotipá-los, e um conceito: enfrentar os próprios medos é um passaporte para a vida adulta. A provação de Billy fica em primeiro plano em relação a qualquer outra coisa do filme. O investimento no horror, inclusive. Talvez Muschietti enxergue esta obra como uma metáfora de coming of age, onde cada peça só tenha o peso e a proporção real dentro da imaginação de uma criança. Não é que os adultos não se importam em Derry. Na verdade, os adultos pouco importam em Derry.
It – A Coisa ½
[It, Andy Muschietti, 2017]
Caramba! Vc deu nota 4,5 ao IT. Eu ja tinha expetativas gigantes com esse filme. Agora então. Quero ver agora.
Espero que goste.