A estreia do novo filme de Steven Spielberg abre uma série de discussões nos mais variados níveis. Uma das mais aparentes é o debate entre individual e coletivo. Os protagonistas de Jogador Nº 1 vivem numa espécie de distopia gamer, onde passam a maior parte do tempo jogando um jogo virtual em que lutam, em carreira solo, por prêmios e “próximas fases”. Spielberg parece preocupado com o que enxerga como um momento egocêntrico da história e, como em alguns de seus mais famosos filmes, agrupa os personagens em prol de um bem maior. Reforça o bom mocismo que espalhou em toda sua vida cinematográfica.
Ao mesmo tempo e talvez até contraditoriamente – a partir do livro de Ernest Cline, base desse novo longa – o filme oferece um cardápio irresistível de iscas nostálgicas para o espectador, utilizando os mais diversos símbolos da cultura pop nas últimas décadas. Demanda um amplo conjunto de referências (filmes, animes, livros, HQs, games) de quem o assiste, desafiando seu repertório e sua memória o tempo inteiro, mas oferece em troca a satisfação imediata da “vitória” para quem conhece todos aqueles elementos. Na prática, o longa premia os mais espectadores mais “habilidosos”, quase que reprisando a lógica meritocrática da realidade que parece analisar com um certo tom crítico.
Toda essa ambição de discutir o que sobra de realidade nesta perspectiva distópica inclui ainda, de uma forma meio torta, até uma troca de ideias sobre direito autoral já que todos os quilos de referência “pertencem” a alguém e nem todo mundo liberou suas criações para o filme de Spielberg. A complexidade do negócio aumenta quando percebemos que obra também se propõe a questionar o que há de real num ambiente virtual e aí está o que talvez seja o cerne da questão.
Saindo da trama e das discussões mais imediatas, Jogador Nº 1 parece também nos perguntar sobre o cinema do futuro ou ainda sobre o futuro do cinema. Afinal, 60%, 70% da trama do filme acontecem num ambiente completamente virtual, como se o filme fosse realmente um simulacro de sua história. Surge, então, a dúvida: o longa de Spielberg anuncia que o modelo de cinema que conhecemos está prestes a acabar ou já é o primeiro exemplar de uma espécie de novo cinema já que não consegue escapar do perigo da falta de humanidade?
O mais interessante e, ao mesto tempo, o mais assustador de Jogador Nº 1 é o dilema em que seu extracampo nos coloca: o cinema do futuro precisa ser um carrossel cheio de referências para sobreviver? Será que o “divertido” deve realmente virar o objetivo final de um filme para que a próxima geração continue interessada neles? Haverá meio-termo entre o autoral e o industrial? Porque o longa de Spielberg ainda consegue lançar uma certa reflexão sobre o assunto, mas e o filme da semana que vem? Este é mesmo o cinema que queremos?
Jogador Nº 1
Ready Player One, Steven Spielberg, 2018