O tamanho de um filme muitas vezes é motivo suficiente para que a produção seja suspeita, julgada, condenada e executada. A ânsia em defender o pequeno contra o gigante existe desde que o mundo é mundo e ganhou força no cinema desde que Tubarão, de Steven Spielberg, inventou a temporada do filme-evento bem no meio da década de 70 e deu um novo sentido à palavra superprodução. Os milhões de dólares (geralmente são dólares) investidos em filmes assim são normalmente associados às concessões que o diretor tem que fazer aos estúdios, interessados no retorno financeiro. Filme grande demais, então, é filme sem autor, filme com operador.
Esse certamente não é o caso de Spielberg que, no longa seguinte, faria um de seus mais belos trabalhos: Contatos Imediatos do Terceiro Grau. Mesmo assim, o cineasta passou os últimos vinte anos tentando se livrar do carma de diretor de filmes de bilheteria gorda e tentando dar credibilidade artística ao seu trabalho. E esse certamente também não é o caso de Peter Jackson, o australiano que saiu do cinema de terror trash, dirigiu um indie respeitadíssimo (Almas Gêmeas) e depois entrou, ao que parece para sempre, no panteão dos cineastas de filmes gigantes.
Depois de comandar O Senhor dos Anéis, três filmes imensos, grandiosos, tanto nas durações fartas quanto nas proporções de produção, Jackson, ao contrário de Spielberg que se alterna entre blockbusters e filmes menores, anunciou outro projeto-monstro, uma releitura do primeiro King Kong, filme de 1933, comandado por Merian C. Cooper e Ernest B. Schoedsack. Projeto ao mesmo tempo bastante ambicioso e perigoso: o filme precisaria preencher os requisitos de um longa de ação, com criaturas gigantescas (além do gorila bem alimentado temos uma porção de dinossauros) e ser uma história de amor, crível, entre um bicho gigante e uma mulher. Um trabalho monstruoso.
Peter Jackson achou que o trabalho era pouco e, como a proposta era reimaginar o primeiro longa, situa seu filme na Nova York pós-Queda da Bolsa, falida, pobre, com pessoas perdendo os empregos. Com três filmes de três horas e meia no currículo, Jackson se sentiu à vontade para gastar muito, muito tempo na apresentação de seu cenário, de suas personagens, de sua história. A maior cidade do mundo de 70 anos atrás aparece majestosa, imensa, numa reconstituição de babar. É ali que elege sua musa (e a musa do Kong): Ann Darrow é uma comediante de vaudeville que vê o teatro onde trabalha fechar as portas por falta de dinheiro e cruza com um diretor de cinema em busca frenética por uma nova protagonista (isso depois de ser rejeitado pelo estúdio e resolver fugir para terminar seu novo projeto).
Este primeiro ato já revela ao espectador o que Jackson pretende de seu filme: ele pretende tudo. Diferentemente das duas versões anteriores da história – restritas a filme de aventura com um esboço inacabado das motivações de suas personagens, o novo King Kong é desavergonhadamente um filme clássico, grandioso: heróico, político, romântico, impetuoso, emotivo. Neste ato inicial também vemos que o sarcasmo de Jack Black empresta ao cineasta dentro do filme rascunha um vilão simpático, sem maneirismos além daquele olhar alucinado de sempre, e que Naomi Watts é mesmo encantadora.
Depois que o tema musical de James Newton Howard já colou na sua cabeça, o galã improvável Adrien Brody mostra que a estranheza funciona para o papel e o ex-Billy Elliott Jamie Bell traz o coadjuvante mais legal do filme. A chegada à ilha resulta numa cena fantástica do encontro entre a tripulação do navio e os nativos, com uma maquiagem assustadora. O domínio de Jackson sobre imagem e som nesta cena é impressionante. Ele é daqueles cineastas que fazem sumir os limites entre a tela e a platéia. Não vou me alongar no quesito técnico porque provavelmente todo mundo já falou ou vai falar sobre como os efeitos visuais são perfeitos, mas o que mais me impressionou não foi a absoluta competência em desenvoler o Kong, que tem cicatrizes e tudo, mas foi, acreditem, na sua composição como personagem e na sua performance.
O Kong de Jackson rouba sua loira sacrificada para depois se apaixonar. Tá todos os outros eram assim, mas nunca com a delicadeza como este filme mostra. Muito mais impactantes para mim do que as – inúmeras – cenas de ação com o gorila quebrando o pau com os dinossauros ou com os atores enfrentando todo o tipo de monstros pré-históricos (se você tem problemas com isso e gosta de filmes realistas, este filme não é para você), são as cenas de romance entre Ann e Kong, sedutoras, deliciosas, lindas mesmo. É nelas que o trabalho de capturar as expressões de Any Serkis, que também está no elenco em carne-e-osso, se revela preciso e, mais que isso, é nelas que Naomi Watts mostra que é uma das melhores atrizes do ano.
O tamanho no filme de Peter Jackson não é apenas documento, é em função dele que o diretor constrói seu filme. E é sendo do tamanho que é que King Kong permite suas alternâncias de ritmo, que revelam suas nuances múltiplas. De crônica social a filme de aventura, de superprodução a épico rômantico sobre um amor (im)possível, Peter Jackson faz um filme quase perfeito. Quem diria que o casal mais arrebatador de 2005 seria tão lindo?
King Kong
[King Kong, Peter Jackson, 2005]
No original de 33 a paixão do Kong pela loira não era correspondida (ela morria de medo do monstro). Neste, rolam chamegos e tudo mais.
Não vi o da década de 70. Como é que era a relação loira-gorila?
Vi o filme de 76 na Sessão da Tarde. Lembro de que era OK, mas é óbvio que não dá para comparar com a original ou esta versão nova…
A estréia na quarta não foi o que o estúdio esperava não, mas eles acreditam que o filme vá fazer bons números no final de semana por causa do boca a boca. De quarta pra quinta ele caiu pouco, cerca de 35%, o que pode ser visto como um indício disso.
Chico, pq sera que king kong nao esta indo tao bem na bilheteria nos eua? sera a bilheteria internacional vai pagar esse filme tambem?
Meu tempo de acesso ontem acabou… não pude terminar a conversa… Mas, po, agora sim quero ver este filme…
Achei o filme desnecessariamente extenso, aquelas cenas de lutas “inter-animais” ou entre bichos e homens me cansaram um bocado. O fato da personagem da Naomi (e de todos os outros, aliás) cairem de alturas gigantescas e não ganharem nem um arranhãozinho sequer chega a ser cômico (tá bom, eu sei, cinema é magia, mas que eu achei engraçado, achei…) Agora, a cena do supergorila “patinando” com a loira no Central Park é maravilhosa. Com 1h30 a menos, acho que o filme ficaria bem melhor. Abraço.
Eu não gostei de “Almas Gêmeas”.
O Andy Serkis deve ter tido importância capital na construção do Kong.
Tou com medo de não pegar o filme nos cinemas, viajo daqui a pouco e só volto em três semanas…
Ah, milagres acontecem: o CCE foi atualizado. De forma meio picareta, mas foi…
Esta postagem foi removida pelo administrador do blog.
Esta postagem foi removida pelo administrador do blog.
Chico, deu vontade de sair correndo para o cinema mais próximo! abraço