La La Land

De todas as artes, o cinema talvez tenha sido a que mais rápido olhou para trás, em vez de continuar procurando novos caminhos. Olhou, gostou e aprendeu que pode reinventar histórias, fórmulas e conceitos eternamente, viver de sua própria coleção de pastiches, assimilar, copiar, traduzir, reinterpretar. Na maioria das vezes, o motivo deste eterno retorno é meramente comercial. Em outras tantas, serve para alimentar a nostalgia, sentimento nobre cada vez mais crescente numa sociedade que parece sempre buscar no passado saídas, soluções ou um simples descanso de tempos tão difíceis. La La Land, o musical de Damien Chazelle, parece ser o melhor exemplo deste cinema-homenagem.

No ano em que Hollywood responde às críticas com filmes mais politizados, mais igualdade de gênero e mais espaço e emprego para um cinema étnico e atores de todas as etnias, Chazelle, o garoto-prodígio que colecionou prêmios com Whiplash, entrega uma fábula escapista que abusa da palheta de cores, que referencia o “sonho americano” e, mais ainda, que declara amor ao cinema de Hollywood. Basicamente, um filme reverencia o passado, que canta o passado. Em termos práticos, os números musicais de La La Land soariam ingênuos, alienados ou até excessivamente conformados para um momento em que o cinema precisaria encher o peito para discursar contra a onda conservadora que promete se instalar de vez nos Estados Unidos a partir de agora.

Mas ter a nostalgia como matéria-prima não significa abraçar a ingenuidade ou fazer um cinema conservador. La La Land parte de uma série de referências muito maior do que as mais óbvias e sabe coletá-las, reinterpretá-las e nunca meramente copiá-las. A homenagem de Chazelle não apenas remonta os musicais clássicos de Vincente Minnelli ou Stanley Donen, embora Cantando na Chuva apareça em várias citações. Existe muito da leveza e da delicadeza de Jacques Demy, seja na luz, nas cores vivas, nos arranjos simples e nas coreografias simpáticas demarcando a narrativa.

Pouco importa se Ryan Gosling não convence tanto assim como jazzista ou se Emma Stone parece crua demais para acreditarmos nela como grande estrela. Cabe tudo na fábula, dos sonhos românticos às pequenas alfinetadas no sistema e falta de identidade daquela massa de concorrentes a um posto abaixo dos holofotes. Holofotes muitíssimo bem posicionados, é bom observar. A sequência do observatório, que começa com uma citação explícita a Juventude Transviada termina com mais uma homenagem a Cantando na Chuva ou, se for para citar um filme menos “pé no chão”, que namora com a liberdade criativa de um Núpcias Reais.

Se escalar Ryan Gosling e Emma Stone, em sua terceira parceria, parece uma aposta pouco arriscada para uma comédia romântica, Chazelle ousa ao colocar seus heróis não-cantores para cantar, explorando suas vozes até o limite, bem pequeno no caso dele, um pouco maior no caso dela. O mais interessante é que a experiência não apenas funciona satisfatoriamente, mas vai além porque humaniza os personagens e valoriza as belas melodias de Justin Hurwitz, que poderiam morrer em gritos de ex-competidores do American Idol. Ao proteger seu impecável conjunto de canções, La La Land tanto preserva esse charme nostálgico dos musicais de outros tempos quanto chega bem pertinho do espectador.

O primeiro mandamento de Chazelle é sempre jogar limpo com quem está do outro lado da tela. E mesmo quando o clichê ameaça se instalar no único momento de virada da narrativa, Chazelle parece se recusar a seguir a fórmula de sempre e, em cinco minutos, resolve as arestas e abre caminho para um desfecho surpreendente. Uma sequência circular que, mesmo frustrando as regras mais rígidas dos filmes românticos, é de um amor imenso pelos personagens e pelo cinema.

La La Land – Cantando Estações EstrelinhaEstrelinhaEstrelinhaEstrelinha½
[La La Land, Damien Chazelle, 2016]

Comentários

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4 comentários sobre “La La Land – Cantando Estações”

  1. spoiler. esperei muito pra ver, mas não consegui me envolver, não convenceu. sempre quando tem muito clichê, a academia entende que é homenagem a um gênero e premia. só gostei da parte do que poderia ter sido e não foi, que não é uma ideia nova, mas eu gosto dessa ideia de realidades sobrepostas, um plano adormecido em que aquilo realmente aconteceu. a cena do bar que repete é legal, parece cool da gwen stefani.

  2. Chico, o que você achou do fato de muitos críticos estarem dando a La La Land o subtítulo de “Make Hollywood Great Again”?

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