Lincoln, de Steven Spielberg, é um filme que quebra expectativas. Havia uma espécie de desconfiança generalizada em relação ao que o diretor mais bom moço dos últimos 50 anos faria num filme sobre o presidente mais bom moço da história americana. As escolhas de Spielberg foram menos óbvias do que se imaginava. O cineasta abriu mão de uma biografia tradicional que cobrisse a trajetória de Abraham Lincoln para fazer um recorte, elegendo os quatro últimos meses da vida do presidente como universo para o filme. Em época de Guerra Civil, o foco é numa batalha menos física, mas não menos sangrenta, a batalha pela aprovação da emenda que aboliu a escravatura nos Estados Unidos. O tom épico intimista, presente em alguns de seus filmes “sérios”, foi substituído pelo de bastidores de disputa política. E sem concessões.
Spielberg carrega os personagens com uma verborragia que exige atenção irrestrita do espectador e uma postura muitas vezes teatral do elenco – como na cena em que Lincoln e Mary Todd discutem e a esposa vai ao chão. Os atores parecem ter sido dirigidos como se estivessem em cima de um palco, com uma marcação rigorosa, opção que joga o filme num plano diferente, com se a história se desenvolvesse fora do alcance do homem comum. Ao mesmo tempo em que abraça esta imponência, o diretor enche as cenas de movimento – algumas parecem ter sido planejadas por dia – seja com os movimentos de câmera ou com a própria montagem. Janusz Kaminski recorre ao mesmo jogo de luz e sombras do equivocado Amistad. As semelhanças entre os filmes param por aí. Desta vez a fotografia não tem funções meramente plásticas, mas ajuda a reproduzir o clima de clausura e a época como um todo.
O tom sóbrio de Lincoln revela um Spielberg menos ingênuo em relação a sua visão de mundo. Em vez de alguns de seus maneirismos tradicionais, ele faz quase o impossível para alguém com Oskar Schindler e Miss Celie no currículo: não reverencia Abraham Lincoln, nem o assume como herói. Isso acontece desde o roteiro, que mostra como o presidente comandou uma espécie de mensalão para que a emenda fosse aprovada, até o retrato do homem. Lincoln fala manso, seu poder de oratória aparece em poucas cenas, mas a interpretação fantasmagórica de Daniel Day-Lewis consegue dar a dimensão de sua presença. Ninguém parece poder alcancá-lo. Nem Tommy Lee Jones, nem Sally Field, ambos em seus melhores papéis no cinema.
O apêndice do filme parece desnecessário, mas ajuda a completar a proposta de Spielberg de trabalhar no anti-clímax. Se o roteiro é prolongado até chegar ao momento da morte de Lincoln, o diretor se recusa a apresentá-la da maneira mais tradicional, frustrando a expectativa do espectador e oferecendo uma notícia velha sob novas perspectivas. As cenas finais são de rendição, mas até lá, Spielberg já havia homenageado o ícone da maneira mais honesta possível, relativizando o mito, ressaltando o homem.
Lincoln ½
[Lincoln, Steven Spielberg, 2012]
Chico, realmente Spielberg não se segurou no final de Lincoln. O presidente começa a falar e lá vem a música de John Williams avisar que é hora de chorar (embora o compositor esteja mais contido aqui). E Lincoln filmado no fundo de uma chama fúnebre é uma das imagens mais bregas do histórico de Spielberg.
Agora vc concorda que a Sally Field é a Regina Duarte deles? A Norma Rae era a Malu Mulher da classe operária, ela ganhou seu 2o. Oscar como uma viúva Porcina sem Roque Santeiro, e que atriz de novela se atiraria ao chão por causa de um filho como tb faz a Sra. Lincoln?
Joêzer, discordo. A cena em que ela vai até o chão serve para mostrar a diferença entre os perfis de Lincoln e Mary. Eu acho belíssima. Ela era uma mulher histérica. Acho um retrato perfeito.
Oi Chico!
Ando acompanhando suas resenhas nesta época de prêmios, e gosto bastante de ler, como sempre, mas esta para Lincoln está excepcional. Muito mais próxima do filme do que certos comentários que já li com visão preconcebida/conceituosa… Que bom que continua com o blog!!! abraço
Brigado, querida! Às ordens.
Não tem como não elogiar este ator.Daniel D.l é um monstro da historia do cinema.Gostei muito desse filme e fez ter pontos de volta com spielberg.que havia derrapado com aquele xarope mais doce que nunca que foi cavalo de guerra.Mas na minha humilde opnião não deve ganhar como filme e direçãoi.Para mim os vencedores seriam:
FILME: django
DIREÇÃO: tom hooper (os miseraveis)
ATOR: daniel d.l
ATRIZ:emanuele riva
ATOR C: tomy l.j
ATRIZ C:anne hathaway
muito bom esse filme!!!
Bizarro então Chico. Tirei este texto da análise da folha sobre o filme.
“Tomada em retrospectiva, a história tem um apelo épico inigualável -o “self-made man” predestinado a ser presidente e vencer uma guerra em que o bem e o mal surgem claramente definidos, a fim de extirpar a infâmia da escravatura e estender a mão, vitorioso, aos derrotados. ”
http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/1216822-analise-spielberg-tira-fantasma-de-lincoln-do-marmore.shtml
To pra tirar minhas próprias conclusões e saber se Spilberg foi capaz o suficiente de fugir ao maniqueísmo tão evidente em sua obra …. Quero ver como ele descontruiu o mito de santidade de Linconl apresentado nos livros da história americana. E ao abordar o abolicionismo fica impossível não esbarrar no tema central de sua motivação. PQ um país bélico poria fim a um dos mercados mais rentáveis do mundo?
Fala Chico. É o Tanganelli. Sempre que posso dou uma visitada por aqui. Estou na pilha pra ver o filme. Acho que você não abordou em sua crítica a tão presente ética cristã que costuma ficar evidente nestes filmes e principalmeente no Spielberg. Como o abolicionismo é tratado ? Há correntes de historiadores que derrubam o mito de que o fim do abolicionismo foi um mover econômico e sim religioso. abs ….
Não existe essa abordagem, Tanganelli.
Ponto também para o roteiro de Tony Kushner.
Sim, belo roteiro.