Lucy

Existem cineastas que alimentam uma aura de criador competente e adentra os círculos alternativos durante décadas sem realmente ter feito um só filme bom. Kevin Smith? OK, talvez Procura-se Amy. Luc Besson? Com alguma condescendência, podemos lembrar de Subway ou Nikita. Mas a verdade é que o francês mais internacional dos diretores de cinema ou pula no raso quando quer fazer filme profundo, como Imensidão Azul ou Joana D’Arc, ou disfarça suas limitações em diversões ligeiras que demoram demais e divertem de menos, como O Quinto Elemento ou o recente A Família. Dito isso, é preciso fazer justiça ao novo trabalho do cineasta: Lucy, o thriller de ficção-científica estrelado por Scarlett Johansson, talvez seja seu melhor filme.

As primeiras cenas do longa, com uma viagem temporal aos princípios da vida humana na Terra, remetem de imediato aos momentos mais viajandões de A Árvore da Vida, com o espectador sabendo que, por mais que tentasse, Besson nunca chegaria à complexidade de um Terrence Malick. A impressão se desfaz quando a trama chega em terra firme e se estabelece como um guilty pleasure que mantém o pé no acelerador até seu último minuto. Besson acerta em cheio em levar a sério a história de uma loira burra que acidentalmente se vê obrigada a ingerir uma nova droga que amplia sua capacidade mental. Levar a sério, mas só até a segunda página. Porque, por mais que flerte com algum existencialismo, Lucy é feito para divertir.

Scarlett Johansson, cada vez mais à vontade como heroína de filmes de ação, incorpora a angústia de uma personagem que tenta correr contra o tempo para repassar o conhecimento que adquiriu, mas não tem capacidade de manter. Na melhor cena do filme, talvez a que mais tenha algum cuidado científico, conceitualmente falando, sua Lucy tenta se manter literalmente inteira no banheiro de um avião. Besson, que é o autor do roteiro, parte do princípio do mito de que utilizamos apenas 10% do cérebro e encontra ganchos leves, mas bem amarradinhos para transformar a história da personagem num thriller delicioso, onde a velocidade é tão ou mais importante do que as ideias de que o filme se aproveita.

Em tempos de filmes sérios, com cineastas preocupados em não ofender ninguém e em encontrar explicações científicas para tudo – sobretudo para não serem acusados de levianos -, são justamente as leviandades que o diretor cometeu em Lucy, enfileiradas num esqueleto coerente e funcional e com o suporte de soluções visuais bonitas e bem resolvidas, que servem tanto como respiro descompromissado para estes filme orgulhosamente baseados nos livros de ciência quanto como prova inquestionável de que precisamos de apenas 10% do cérebro para entender e nos divertir com um filme de Luc Besson. Sem culpa, sem vergonha nenhuma.

Lucy  EstrelinhaEstrelinhaEstrelinha [Lucy, Luc Besson, 2014]

Comentários

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17 comentários sobre “Lucy”

  1. como assim, “O Quinto Elemento” diverte de menos ?
    um dos melhores filmes pipoca dos anos 90, no quesito diversão é tão bom quanto Matrix

  2. Será que uma mente “superior” necessita de uma recreação muito elaborada para suprir suas expectativas elevadas???? Ou a atividade lúdica simples é voltada para qualquer pessoa sem atributos especiais????

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