Talvez seja justo dar um segundo Oscar para Clint Eastwood. A direção de Menina de Ouro é belíssima, embora Clint trabalhe em cima de um roteiro que chafurda na estereotipia quase que o tempo inteiro. É justamente esse amor pelo clichê que deixa tão preciso o trabalho do cineasta. Veja bem, se alguém te contasse que viu um filme muito bom sobre um treinador de boxe – durão, reservado e com uma relação quase nula com a filha – que hesita ao máximo em adotar como pupila uma garçonete – de 31 anos, solitária e vinda de uma família interesseira e amargurada – você ficaria animado em vê-lo?
Não fosse o talento do diretor para tornar delicada cada cena, Menina de Ouro não seria muito mais que um melodrama esportivo meia-boca entre Karatê Kid e Castelos de Gelo. Torna extremamente doce a relação da personagem que ele mesmo interpreta – não tão bem, até porque não se pode ter tudo – com a good girl vivida por Hilary Swank, maior atriz que nunca, discreta, charmosa, dedicada a dar credibilidade a um papel bem caricato. A aproximação dos dois é lenta, rastejante e imensamente feliz. Não há dúvida do que está por vir, o roteiro é bem esquemático e cheio de armadilhas (um homem com um hiato com a filha, uma jovem órfã de pai sozinha no mundo). Até Morgan Freeman, preso ao mesmo papel que interpretou a vida inteira – o velho sábio e justo – ganhou uma cena onde faz justiça com as próprias mãos. Lugar comum infinito.
Mas o que menos importa é a história que se conta aqui, mas o tratamento que ela ganhou. Quando o filme dá sua grande virada (de ritmo, inclusive), Eastwood entra em cena melhor ator e muito melhor diretor. Filma com calma e sensibilidade cada particularidade, cada diálogo. Mesmo que você não acredite neles (o texto não é lá grande coisa e a narração em off, desnecessária, de Morgan Freeman é uma sucessão de frases feitas), o cineasta os transforma em momentos bonitos de se ver. O que é mais admirável é que Eastwood, um típico macho norte-americano, que surgiu para o mundo entre os pistoleiros dos western-spaghetti de Sergio Leone e o os policiais de Don Siegel, seja este diretor tão delicado. E Clint Eastwood, meu amigo, é delicado pra caralho.
Menina de Ouro ½
[Million Dollar Baby, Clint Eastwood, 2004]