[mostra de cinema de são paulo – boletim seis]
[shortbus ]
direção: John Cameron Mitchell.
Shortbus, 2006. O discurso do ex-prefeito é uma das cenas mais belas deste ano, partindo do específico para o universal. E é quando é universal (mesmo que seja num clube gay – ou uma versão revista e ampliada disso; espaço muito bem trabalhado, por sinal) que o filme de John Cameron Mitchell funciona plenamente, com uma beleza rara na cena indie norte-americana. Tem um equilíbrio impressionante entre as piadas sem qualquer pudor e a melancolia em que você pode acreditar, material difícil de encontrar por aí. Só peca em algumas soluções conciliadoras, único ponto em que se rende aos clichês do cinema gay. A música, cortesia do Yo La Tengo, talvez seja a melhor do ano.
Com Justin Bond, Lindsay Beamish, PJ DeBoy, Raphael Barker, Peter Stickles.
[nunca mais ]
direção: Toke Constantin Hebbeln.
Nimermeer, 2006. A intenção em fazer uma fábula macabra com trejeitos circenses deu com os burros n’água e o filme saiu mais pré-fabricado do que a encomenda. Parece aqueles brinquedos de luxo que a gente nunca tem dinheiro para comprar e, quando tem, não pode brincar para não quebrar. Em suma, parece fora de órbita, e pretensioso demais. Ainda bem que tem pouco mais de uma hora.
Com Leonard Proxauf, Rolf Becker, Sylvester Groth, Manni Laudenbach, Tom Lass.
[interdom ]
direção: Nasir Al-Jezairi.
Interdom, 2006. Documentário velho que só guarda algum interesse porque a instituição retratada, uma escola russa para filhos de exilados políticos de toda parte do mundo, é interessante. Mas a forma é sem graça e os maneirismos são tão datados que o material perde o impacto. Outro média-metragem.
Com Pansao, Damo, Farida, Ghilberto, Katja, Jury Ignatevich, Sofia Ivanovna, Nasir Al-Jezairi.
[fica comigo ]
direção: Eric Khoo.
Be with Me, 2006. Um horror este filme do Eric Khoo, que parece ter conquistado um público fiel. Na minha humilde visão, está tudo errado: primeiro, o desenvolvimento das histórias com aquela fácil fórmula da fofura e ingenuidade para tentar vender os protagonistas como românticos que você deve amar. As cenas do início do namoro das duas meninas e do gordão maltratado se escondendo atrás da árvore são de um maniqueismo irritante. Quando eles começam a sofrer, fica impossível para o espectador escolher um lado para torcer. O roteiro já definiu tudo. Aí que entram as inserções da máquina de escrever com aquela filosofia oriental chibunga para, em seguida, o filme virar um documentário torto, completamente incompatível com o restant do material, e, por fim, na cena mais estúpida que eu vi neste ano, uma história desabar literalmente na outra.
Com Theresa Chan, Chiew Sung Ching, Seet Keng Yew, Ezann Lee, Samantha Tan, Lawrence Yong.
[red road ]
direção: Andrea Arnold.
Red Road, 2006. Guarda seu interesse enquanto espécie de thriller pessoal, tem uma direção até arrumadinha, faz mistério sobre os intentos de sua protagonista (cuja atração pelo perigo talvez seja a coisa mais interessante do filme), interpretações seguras e perfis não muito óbvios das personagens, mas o roteiro toma rumos tão estranhos (e equivocados) no ato final que põe quase tudo o que foi ganho a perder. Não dá para comprar o final conciliador.
Com Kate Dickie, Tony Curran, Martin Compston, Nathalie Press, Andrew Armour.
[honor de cavalleria ]
direção: Albert Serra.
Honor de Cavalleria, 2006. Em um momento do filme, alguém pergunta se haveria Sancho sem Quixote. Esta pergunta é o que define o filme de Albert Serra. Parece ser exatamente o motivo pelo qual ele fez este filme. Serra não vê Sancho sem Quixote, mas igualmente não vê Quixote sem Sancho. A relação dos dois é de amor, mas é de dependência. Sancho enxerga em Quixote seu herói, seu chefe, seu dono, aquele que tem que respeitar e que respeita sem questionar. Quixote vê em Sancho o único elo com um passado, ou melhor, uma idéia que tem de si mesmo. E, mais do que isso, é nele que Quixote encontra sustentáculo, significação. É dele que ele precisa desesperadamente. O maior inimigo do filme de Albert Serra é sua tendência ao hermetismo, que, apesar de uma fotografia belíssima, abusa da câmera fixa em cenas que seriam muito mais significativas se fossem mais curtas. Mesmo assim, é um filme para guardar e rever sem cansaço.
Com Lluís Carbó, Lluís Serrat, Glynn Bruce, Lluís Cardenal, Bartolomeu Casellas.
[nue propriété ]
direção: Joachim Lafosse.
Nue Propriété, 2006. Estão lá todos os maneirismos e maniqueismos do cinema francês (leia-se francês, belga, de Luxemburgo), como a liderdade com o corpo, as cenas de impacto bem em modelo truque, a visão estilizada das complicadas relações familiares (às vezes acho que os franceses se enxergam como psicopatas), a frieza absoluta. Tudo isso até funciona em outros lugares, mas aqui vira uma espécie de massa que não ganhou a forma final. Parece ser um filme sobre nada que, nem o bom elenco (Huppert não é tão louca aqui), nem a câmera correta, conseguem desenvolver.
Com Isabelle Huppert, Jérémie Renier, Yannick Renier, Kris Cuppens, Raphaëlle Lubansu.
É verdade, mas duvido que Shortbus demore muito a estrear.
Filme estar legendado quer dizer pouco coisa sobre quando vai sair vi filmes legendados como Intervenção Divina que gastou dois anos para estreiar. Pior ainda ai no Rio (ouro Carmim passou na Mostra legendado e nunca estreou ai).
Poxa, essa foi a melhor notícia do dia em termos de cinema… que Shortbus já ta legendado.
Alias não sei se seria possível ou mesmo viável mas seria legal se vc falasse se os filmes tão legendados ou não… para a gente já ter noção se eles devem chegar logo ou demorar pelo menos uns 2 anos para entrar em cartaz. Abraços!
Ana, eu pensei nesse trocadilho o tempo inteiro. É um filme ruim demais, mas eu acho que vai ganhar o prêmio do público.
Marcelo, vi o Oliveira hoje. Comento já.
Mateus, “Little Children” e “Flags” não fazem parte da programação. E dois dos filmes do dia eram médias, vistos numa mesma sessão. Além do mais, não vou ver mais tantos filmes num dia só, estou exausto. Vou ver “Paris Eu te Amo” e “Cabíria”, sim.
Teco, boa notícia “Shortbus” já está legendado.
Marfil, eu não teria expectativas em relação a “Fica Comigo”.
Ailton, tem cabines de manhã!
Chico, se o filme do Khoo fez jus ao nome para nós dois, pelo menos eu tive uma vantagem: ter visto o filme ao lado do Francis, que não se eximiu de fazer muitos comentários jocosos durante da exibição!
Eu avisei sobre o filme do Khoo… Na saída da sessão, Francis, Ana e eu votamos 1, mas na urna estavam cheios de 5…
Vi ontem o “Belle Toujours”, incrível; Oliveira homenageia Buñuel sem deixar de ser Oliveira. E Piccoli já é o melhor ator da Mostra (se não for do ano).
Po, Chico, tou gostando de ver! Sete filmes em um dia, tá fazendo bonito, menino! continua asssim!
Shortbus eu tava meio com pé atrás, mas com seu texto, a minha expectativa aumentou bastante. Você vai ver Paris, eu te amo e Cabíria? Aliás, é verdade que Little Children e Flags of our Fathers vão passar aí? Abraços!
O novo filme do John Cameron Mitchell é uma das coisas que mais quero assistir este ano… se chegar esse ano nos cinemas (em geral). Hedwig é clássico. E pelo que vi no site da Amazon, a trilha sonora do novo filme é ótima.
“Fica Comigo” parece um filme no estilo “Ame-o ou Deixe-o”. Uns adoraram, outros odiaram…Queria ver “Red Road”…Estou de olho na carreira da diretora que é uma otima curta-metragista…Vi “Infancia Roubada”. É um bom filme. Mereceu o OScar…
Caramba, Chico! Vc está vendo 6 filmes por dia?? Puxa… Estou doido pra ver esse SHORTBUS.