Three Monkeys , de Nuri Bilge Ceylan
Nuri Bilge Ceylan é um daqueles diretores de filmes de festival. Cannes já levou vários de seus filmes para a riviera. Climas, que deve estrear em circuito em breve, não ganhou nada, mas Three Monkeys saiu com um estranho prêmio de direção. Estranho porque não há nada no filme que diferencie ou exalte o trabalho de seu diretor. O roteiro trata de um dilema moral que gera pelo menos dois outros e coloca os três membros de uma família em choque. Até aí, o trivial era bem feito, embora as imagens de cartão postal (com filtro de plástico) que o filme oferece em abundância encham um pouco a paciência. No entanto, o que mais incomoda é um golpe final rasteiro de roteiro, a la Guillermo Arriaga, em que o filme parece amarradinho e inteligente.
Meu Winnipeg , de Guy Maddin
Um Amarcord circense e quase caótico de Guy Maddin? A coleção de pequenas experiências pessoais do diretor com sua cidade ganha relevo maior quando Maddin transcende os fatos para jogar com a construção da memória. Nesse tour, homenageia o local onde nasceu, celebra a história e a fantasia e, de quebra, ainda permite ao espectador invadir seus traumas e ressentimentos. O ritmo irregular, que vai do bem-humorado ao melancólico, pode assustar quem não estiver muito disponível para uma narrativa menos clássica, mas o filme nunca deixa de ser bastante corajoso.
Seis curtas intitulados Pornô Verde, co-dirigidos por Jody Shapiro e Isabella Rossellini, abriram a sessão levando o sexo dos animais com muito escracho e escatologia para a criançada. Complemento interessante.
24 City , de Jia Zhang-Ke
Pelo menos umas trinta pessoas deixaram a sessão lotada antes da projeção terminar. 24 City, de certa forma, simboliza uma nova fase da carreira de Zhang-Ke, que parece apaixonado pela tecnologia digital e pela possibilidade de misturar documento e ficção, como fez (mais) com Em Busca da Vida e (menos) com Inútil. O filme, que procura construir o passado de uma fábrica prestes a ser demolida, é bastante simples e bonito, se apoiando nos depoimentos dos ex-trabalhadores. A tática de inserir atores em meio aos personagens consegue momentos comoventes como a cena de Joan Chen, que chega a fazer uma auto referência, mas parece pouco diante de um Jogo de Cena, por exemplo, em que Eduardo Coutinho radicaliza a discussão sobre a representação.
O curta Cry Me a River, de Zhang-Ke, que abriu a sessão, é bonitinho e tem uma bela cena num barco, mas parece um filme inacabado.
Todo Mundo Tem Problemas Sexuais , de Domingos Oliveira
Nem tanto, nem tão pouco. Fico pensando se a polêmica causada pelo manifesto anti-nudez de Pedro Cardoso não teria sido um golpe para vender o filme, o primeiro em algum tempo em que Oliveira trabalha com atores globais (Cláudia Abreu também integra o elenco). O texto, engraçado e bem interpretado, é fácil de se gostar e assume, inteligentemente, uma certa liberdade de expressão que choca a princípio, mas depois parece bastante integrada à proposta do projeto. A opção de Oliveira de ressaltar a origem teatral do filme é óbvia no conceito, mas a forma como foi executada, com apresentações em palco completando boa parte das cenas, é perfeita. E Pedro Cardoso, o polêmico, nunca esteve tão hilário.
Waltz with Bashir , de Ari Folman
Animações com temas sérios, adultos ou confessionais geralmente, já de partida, garantem o respeito por onde passam. Esse é o caso de Waltz with Bashir, através de qual o diretor Ari Folman faz um acerto de contas com seu tempo como soldado no Líbano. Há que se dizer que existem belas cenas, sim. No entanto, Folman, como outros diretores de animações sérias, adultas ou confessionais, peca por dois motivos principais. O primeiro é contar em animação, sem explorar as possibilidades do suporte, uma história que poderia ser narrada de qualquer outra maneira, que não justifica a escolha do formato. O segundo é escolher um modelo narrativo ordinário para contar sua história. A interpretação do sonho do soldado, mola mestra para o longa, ganha uma incômoda explicação di-dá-ti-ca no fim do filme. Folman parece querer deixar bem claro, em palavras, seu recado, como se sua animação não fosse capaz de explicar a que veio. Para completar a negação a seu suporte, o diretor se utiliza se imagens “reais” para encerrar o longa. É como se ele dissesse ao espectador: ‘olha, você viu um desenho, mas eu estava falando sério’. Decepcionante.
Curioso que apesar de odiar Jia Zhang-Ke, desse pelo menos gostei… Já Guy Maddin é um cara corajoso. Gosto desse resgaste expressionista do cinema mudo. Viu Leonera, Chico?
Waltz With Bashir então parece corresponder ao que imaginei.