Albertina Carri

La Rabia EstrelinhaEstrelinha, de Albertina Carri

Parece que virou moda na América Latina fazer filmes conceituais, que mais parecem exercícios de escola de cinema. La Rabia parecia seguir um caminho bastante interessante até que o espectador percebe o quanto de fórmula o filme tem: um protagonista solitário (no caso, uma menininha muda); personagens que vivem em lugares ermos e que são brutalecidos, animalizados; uma câmera bonita, mas pouco preocupada em servir à narrativa, preferindo a plástica. As inserções de animação, que dão um diferencial ao filme, não funcionam em favor da história, parecem devaneios pictóricos que se resolvem em si mesmos. O projeto parecia bom, mas a execução deixou a desejar.

Kihachi Okamoto

Rufião do Inferno EstrelinhaEstrelinhaEstrelinha, de Kihachi Okamoto

O único trabalho de Kihachi Okamoto que devo ver (caso a repescagem não o ressucite) começa como um delicioso filme de ladrão simpático, completamente coerente com o cinema de ação/comédia que era feito ao redor do planeta na virada dos 50 para os 60. A montagem é genial, com as cenas conversando entre si. O uso da música e o timing dos atores revelam Okamoto como um maestro pop de primeira grandeza. Embora o ritmo caia bastante no final, o filme funciona tanto como diversão quanto como pontapé inicial na obra de um cineasta que tem bastante a oferecer.

Emily Atef

O Estranho em Mim EstrelinhaEstrelinhaEstrelinha, de Emily Atef

Seria o português Ruas da Amargura, mas cerca de dois minutos e meio de projeção (digital barato, documentário bem intencionado) me fizeram desejar o meu bem e correr do Espaço Unibanco para o Arteplex. Foi aí que peguei, por acaso, a sessão deste filme que, até então, estava na minha lista de filme para não ver. Diretora novata, alemã (tenho preguiça de alemães), com um filme sobre depressão pós-parto. Menos interessante, impossível. Mas Emily Atef, que apresentou a sessão, me surpreendeu. O Estranho em Mim é um filme com um tema muito específico, mas que tenta tratá-lo da maneira menos óbvia possível. Os clichês de história aparecem, mas a diretora rapidamente os transforma em cenas mais complexas. O elenco é bastante bom, com destaque para a protagonista.

Tomas Alfredson

Deixa Ela Entrar EstrelinhaEstrelinhaEstrelinhaEstrelinha, de Tomas Alfredson

Raríssimo exemplar de cinema que sabe inserir o fantástico nos modelos clássicos de gênero. Deixa Ela Entrar é a típica história do garoto perseguido na escola cuja vida ganha uma reviravolta com a chegada de uma menina à vizinhança. A diferença é quem é a mocinha e que segredos ela guarda. O desenrolar do filme segue uma estrutura igualmente clássica, com a aproximação dos dois, a revelação do drama e o confronto com os rivais, mas sempre inserindo a isso o elemento extra. Fazer isso na intensidade correta, deixando cada cena deliciosa, sem recorrer a mecanismos fáceis como trilha e câmera frenéticas, levando a sério o que poderia ser tratado como festa é o maior acerto de Tomas Alfredson.

José Luis Torres Leiva

O Céu, a Terra e a Chuva EstrelinhaEstrelinha, de José Luis Torres Leiva

Mais um exemplar da safra recente do cinema latino-americano que deixa a desejar. Na tentativa de conceituar seu projeto, o chileno José Luis Torres Leiva apela para a reprise dos clichês. Como em La Rabia ou Liverpool, o melhor dos três, o cotidiano é celebrado com uma câmera sempre disposta a exaltar a paisagem em detrimento de qualquer funcionalidade. As imagens são lindas, verdade, mas parecem puro exibicionismo. Leiva decide contar sua história com o mínimo de palavras possível, aparentemente se ancorando à imagem, mas essa opção termina revelando uma fragilidade incômoda de um projeto em que nada parece consistente.

Arnaud Desplechin

Um Conto de Natal EstrelinhaEstrelinhaEstrelinhaEstrelinhaEstrelinha, de Arnaud Desplechin

O pouco que eu vi do cinema de Arnaud Desplechin me faz afirmar sem pensar duas vezes que ele está entre os meus diretores favoritos nos dias de hoje. Um de seus maiores acertos é a complexidade extrema que emprega na composição de seus personagens, que nunca podem ser definidos como bons ou maus, mas exatamente como o encontro entre estes dois, ambíguos e adoráveis. A obra-prima Reis e Rainha, lançado quatro anos atrás, já revelava a habilidade de Desplechin para costurar sua história a partir do desequilíbrio das relações familiares. O descontrole e a dificuldade em lidar com o próximo são transformados numa forma de afeto. Em Um Conto de Natal, em vez de um casal, temos uma família inteira na mira do diretor. Pais, filhos, irmãos, netos reunidos para uma atípica ceia de Natal, motivada pela doença da mãe, que colocará os históricos conflitos familiares em ebulição. Parece telefilme norte-americano, mas Desplechin desenvolve as tramas das maneiras mais improváveis, tornando assim suas ‘pessoas’ muito mais possíveis.

Uma diferença essencial a dois filmes que, de certa forma, celebram a mesma maneira de filmar é como os personagens de ambos vivem situações diversas. No primeiro, há uma família construída pelo afeto, uma família escolhida, em que as relações se esfacelaram mas se mantêm pelo amor. Neste último, há uma família separada pela falta de afeto, uma família recebida, onde as relações se mantêm por conveniência ou comodidade. Nos dois filmes, Desplechin dispensa soluções fáceis para os dilemas dos personagens. Em Um Conto de Natal, o clima conciliatório só ameaça aparecer na história de Laurent Capelluto e Chiara Mastroianni, mas a entrega da atriz à personagem, talvez a melhor de sua carreira, impede qualquer interpretação depreciatória.

No entanto, é o caminho mais à parte do filme. Apesar dos momentos de leveza garantidos pelos gêmeos e pelo pai, Jean-Paul Roussilon, que curiosamente tem os mesmos nome e sobrenome em ambos os longas, Um Conto de Natal é um filme pesado. Catherine Deneuve, que há tempos não aparecia tão bem na tela, surge com uma rainha dura ou o que restou dela, mas o roteiro nunca a trata como uma vilã ou ex-vilã que poderia justificar comportamentos. A personagem de Emmanuelle Devos, soberba, é um relâmpago de sobriedade e ceticismo no ambiente familiar. Serve como um ponto de equilíbrio meio cínico para a reunião de família. A atriz só não ganha em cena para Mathieu Amalric, o melhor ator do cinema atualmente. Ele sintetiza, resume, traduz sua família e o cinema de Arnaud Desplechin. É a ovelha negra num mundo de lugares comuns.

Comentários

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5 comentários sobre “Mostra SP 2008: boletim 8”

  1. Chicoooo… e deu no que deu. UCN foi o melhor filme do Festival do Rio na minha opinião também. É meu papel de parede desde então. =D

    Agora, a cópia que passou aí era boa. Aqui foi uma digital pífia… parecia aquelas cópias piratas captadas dentro de um cinema para download.

  2. UM CONTO DE NATAL é um filme avassalador. Sem dúvida o melhor da MOSTRA até agora. Realmente, Mathieu Amalric está espetacular nessa fase pós ESCAFANDRO. Seu vilão do QUANTUM OF SOLACE também é surpreendente.

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