Não Estou Lá

Bob Dylan é uma figura tão múltipla que é impossível ser interpretado por um ator apenas, impossível ser uma pessoa apenas. A idéia, por si só, é perfeita: retratar as inúmeras fases/faces do músico com um performer para cada uma delas e com uma história para cada um deles. E a execução desta idéia é tão cuidadosa quanto criativa, gerando muitas cenas memoráveis, como o curtinho e belíssimo encontro de Dylan com os Beatles.

O filme de Todd Haynes é o mais inesperado possível sobre o tema, contrariando – e até renegando – o formato clássico da biografia musical em voga nos últimos anos, que rendeu filmes quadrados e esquálidos como Ray ou Johnny & June. Centrados no um (um músico; um ator), o gênero acaba privilegiando as interpretações, geralmente emulando o retratado sem traduzi-lo, e fazendo sua obra de adorno.

Em Não Estou Lá, é tudo diferente. Ao criar um formato à parte, Haynes rejeitou o golpe da empatia popular (já que o povo ama uma historinha) e abraçou a obra de Dylan. Não no linear, listando canções e passagens importantes da vida de seu personagem, mas associando características de seu trabalho à própria estrutura do filme. Seqüestrar essas marcas é tão arriscado quanto pulverizar a história e a persona de Dylan e entregá-las a tantos.

A perigosa seleção de elenco foi certeira. Um escalado errado poderia desequilibrar o conjunto e, neste filme, as atuações são fundamentais para que o conjunto dê certo. Além da comentadíssima Cate Blanchett, deusa, e do sempre bom Heath Ledger, todos os Dylans estão bem em cena, do menino Marcus Carl Franklin a um improvável Richard Gere. Minha surpresa maior foi com a atuação precisa de Christian Bale, um ator de quem geralmente não gosto, que está no ponto certo, num dos papéis mais difíceis do longa.

Uma das grandes coisas do filme é como ele está impregnado de cinema. De como as imagens nos sugerem, mesmo que o que esteja em jogo sejam interpretações ou conceitos abertos. Do corpo morto de uma das primeiras cenas, nos preparamos para uma autópsia. Não que o que vem a seguir seja literal – essa idéia simplesmente inexiste para Todd Haynes – a exumação é apenas um primeiro oferecimento do ídolo ao público. Uma oferta que não tem o interesse de ser completa, mas de estimular.

Quando o espectador já entende do que se trata (e possivelmente se frustra porque esperava uma biografia convencional), Haynes resolve percorrer outros caminhos. Então, a multiplicidade, que era apenas do(s) protagonista(s), ataca outro personagem, quase um antagonista nos deixando cientes de que não há verdade, não há certeza e que há muito mais depois do ponto final. Coisa de quem entendeu que a resposta que se procura está soprando no vento.

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[I’m Not There, Todd Haynes, 2007]

Comentários

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14 comentários sobre “Não Estou Lá”

  1. JV, a pergunta quando ele chega ao Brasil já que ele não tem estréia programada em circuito.

    Gabriel, eu não vou com a cara do Bale, mas aqui ele está bem, sim.

  2. Putz Chico,sempre fui avacalhado por achar o Bale péssimo!Vc é o primeiro que encontro que diz o mesmo.Mas quer dizer que nesse ele acertou?
    Acho um dos atores mais inexpressivos do momento.

  3. Carol, no sábado sai uma lista da Mostra. Deve ser uma relação mais compelta. Acho muito difícil que “I’m Not There” não esteja lá.

    Junior, lá no fundo eu senti uma frustração por não ter uma biografia ali, mas acho o filme sensacional.

    Teco, acho o Bale muito ruim, inclusive em “O Operário” e “Psicopata Americano”. Pelo que eu saiba, o filme ainda não tem título no Brasil.

  4. Chico, já te disse antes, mas eu nunca tive tanta vontade de sair no meio de um filme como eu tive com esse… e eu assisti n meio do festival, ainda estava com aquela fome louca de descobrir tudo o que aparecia pela frente. Mas teu texto, para variar, está muito bom e me faz me sentir burro porque eu não consegui ‘aceitar’ o filme. Acho que na negativa, nada funciona né? Daqui a alguns anos eu revejo e vamos ver no que dá…

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