Para um filme que se propõe a devassar a vida de uma mulher viciada em sexo, Ninfomaníaca não chega muito bem às vias de fato. Pelo menos este primeiro volume da nova obra de Lars Von Trier, que, reza a lenda, teve que ver seu filme, que deveria ter 5h30 de duração, ser esquartejado em dois e ainda ter cerca de 90 minutos limados por produtores e distribuidores. Reza a lenda porque, conhecendo as estratégias que o dinamarquês tem adotado para vender seu cinema nos últimos quinze anos, fica difícil acreditar que ele não só ajudou a conceber a divisão do filme em dois como pode ter participado da decisão sobne o que cada volume deveria mostrar. Especulação, claro, mas justa diante de um cineasta que, entre outros talentos, tem um especial: a autopromoção.
Mas, dinâmicas à parte, esta primeira metade de Ninfomaníaca não atende a um dos principais objetivos da equipe de marketing de Von Trier: não existe choque, polêmica. Nada, ou quase nada, chama a atenção. Charlotte Gainsbourg, em sua terceira colaboração com o diretor – nenhuma atriz aguentou seu processo por tanto tempo, o que certamente diz alguma coisa sobre a intérprete – interpreta uma mulher que se autodenomina Joe. Encontrada desmaiada e com marcas de agressão por um homem que a leva para casa, ela que se autodiagnostica como ninfomaníaca resolve contar sua trajetória sexual, das descobertas da adolescência às experiências na vida adulta com os mais variados homens, nas mais variadas interpretações de como o sexo deve ser praticado.
Com uma proposta a princípio libertária, Ninfomaníaca segue por um caminho radicalmente diferente, o do moralismo. O apartamento do personagem interpretado por Stellan Skarsgård se transforma numa espécie de confessionário, um púlpito onde uma mulher acusada por graves crimes dá sua versão para a história e aguarda uma decisão sobre sua conduta. Entra em cena uma sucessão de flashbacks – aguardamos o momento em que o cinema produza uma outra maneira de dialogar com o passado – que, na proposta do Von Trier nos leva ao reino supremo do erotismo, mas que perto das cenas de sexo de filmes como Azul é a Cor Mais Quente ou Um Estranho no Lago (citados pela Carol Almeida num ótimo texto), ou, indo mais perto, como Tatuagem, parecem versões filmadas das tramas dos romances eróticos femininos vendidos em banca de revista ou variações mais bem fotografadas de filmes da Sexta Sexy.
Sério, Ninfomaníaca, ao menos o volume um, não dá nenhum tesão. Nem carnalmente, nem cinematograficamente. Pelo contrário, o clima claustrofóbico que talvez pareça excitante aos olhos do diretor apenas reforça a ideia de que ele tem algum problema muito grande com sexo. Existe um grande peso sobre a proposta, sobre a ideia do sexo em si, com se tudo o que envolvesse o tema, os desejos da protagonista, fizesse parte de um plano macabro ou de uma conspiração maquiavélica. O sexo é mau, parece bradar Von Trier, como se o cineasta se saciasse em denunciar o sexo e não em se aprofundar sobre as motivações da personagem. Por isso, a figura de Seligman, vivido por Skarsgård, que se aproxima tanto de um padre confessor quanto a de um juiz, carregue tanta opressão em sua fala supostamente mansa.
Selig seria então o alter ego do diretor? A maneira que o dinamarquês encontrou para fazer seus julgamentos ao mesmo tempo em que exercita seu, com a liberdade da palavra já que ele nada vê, mas ouve, voyeurismo? Não existe problema alguns em expor seus pudores, mas camuflá-los e fingir convertê-los num suposto comportamento liberal apenas porque está se tratando de sexo, sob a égide de se estar realizando um estudo sobre a vida sexual de uma mulher, é – isso, sim – libertinagem e vulgarização. Nada do que Von Trier não já tenha feito, de uma maneira ou de outra, com outros temas, em outros filmes. A diferença é que, salvo algumas exceções, aqueles eram filmes melhores, mais fortes mesmo em seus truques, que não tinham medo de provocar orgasmos mesmo por meios questionáveis, enquanto Ninfomaníaca, pela metade, é um papai-mamãe com coito interrompido.
Ninfomaníaca: Volume I
[Nymphomaniac, Lars Von Trier, 2013]
Chico, quando sai a do volume 2? sério, vários conflitos de opiniões no meu circulo de amigos.
http://www.blogdoims.com.br/ims/o-sexo-tragico-e-ludico-de-von-trier/