O QUE PASSOU, PASSOU…

Porque o tempo não perdoa quem ousa desafiá-lo

O passado morreu. É isso que Denys Arcand tenta dizer com seu O Declínio do Império Americano (86), filme que voltou aos cinemas brasileiros depois do sucesso de bilheteria que As Invasões Bárbaras (03) revelou ser. Como boa parte dos espectadores, eu fiz o caminho inverso com os filmes de Arcand. Vi a continuação antes do original e, para minha surpresa, percebi que esta ordem permite uma leitura ainda mais clara e metafórica do cinema do diretor. Em As Invasões Bárbaras, Arcand retoma as trajetórias de personagens criados por ele mais de 15 anos antes para falar do fim das utopias e da derrota de um modo de pensar. O cineasta gasta belos diálogos para fazer valer sua versão de que os rebeldes eram nada mais que inocentes e que o tempo faz coisas então importantes perderem seu significado.

Eu, ao contrário de boa parte dos meus colegas que escrevem sobre cinema no universo dos blogues, gostei de As Invasões Bárbaras. Se ele é esquemático e engenhosamente construído para defender a visão do diretor, não vejo grandes problemas nisso já que a visão do diretor não me parece tão equivocada quanto outros textos fizeram crer. A questão, opinião infinitamente pessoal, é enxergar a idéia do filme não como uma constatação sobre as verdades do mundo, mas como uma discussão sobre o tempo e as prioridades de cada época e de cada geração. Muito mais manipulador e maniqueísta, se a questão é essa, é A Paixão de Cristo (04), de Mel Gibson, filme cujos textos a favor, poucos, diga-se de passagem, são tão escrotos quanto as intenções maléficas (poucas vezes eu vi algo tão perverso) quanto a de seus realizadores.

No entanto, retomando a questão inicial, ver O Declínio do Império Americano depois de sua continuação permite perceber que o discurso do filme (bastante provocador em 1986) se esvaiu quase que por completo nos dias de hoje. Os diálogos, quase que completamente voltados para a revolução sexual do anos 80, com mulheres mais altivas e homens mais descaradamente despudorados, ficaram muito velhos, perderam o impacto e, muitas vezes, o sentido. É interessante perceber que as discussões de As Invasões Bárbaras são não apenas mais amplas, como o texto do filme é bem melhor cuidado e mais inteligente. O Declínio do Império Americano passou. Virou passado e, por pouco, não virou poeira.

P.S.: desisti de fazer um texto maior sobre este filme (e sobre seu filhote) porque o tempo passou, o calor do momento virou frente fria e a vontade acabou. Talvez porque, como Denys Arcand tenta dizer em seus filmes, independentemente da forma que usa para tanto, o passado morreu e se revelou sem muita importância.

O DECLÍNIO DO IMPÉRIO AMERICANO
Le Déclin de L’Empire Américain, Canadá, 1986.

Direção e Roteiro: Denys Arcand.

Elenco: Dominique Michel, Dorothée Berryman, Louise Portal, Pierre Curzi, Rémy Girard, Yves Jacques, Geneviève Rioux, Daniel Brière e Gabriel Arcand.

Fotografia: Guy Dufaux. Montagem: Monique Fortier. Direção de Arte: Gaudeline Sauriol. Música: Handel. Figurinos: Denis Sperdouklis. Produção: Roger Frappier e René Malo.

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