Quanta filosofia existe numa jiboia que engoliu um elefante? Quanta poesia cabe num pequeno asteróide? Quanta magia existe em encontrar um pequeno príncipe no meio do deserto depois de um desastre aéreo?
Algumas obras ficam tão intimamente ligadas aos estigmas que se formam em torno delas que suas maiores virtudes parecem desaparecer de um certo inconsciente coletivo intelectual. De blockbuster da literatura infantil a livro de auto-ajuda, passando pelo posto de leitura favorita das misses, O Pequeno Príncipe enfrentou uma trajetória de sucesso e um calvário de perseguição – que esconde a originalidade de um texto que utiliza um cenário de ficção-científica para filosofar de forma delicada sobre amor e valores.
Setenta e dois anos depois do lançamento do livro, o norte-americano Mark Osborne finalmente resgata esse encanto perdido que fez da obra de Antoine de Saint-Exupéry uma obra-prima. Poucos filmes conseguem transcender os livros pelos quais foram inspirados, ainda mais ampliá-los, relacionando-os com uma realidade mais atual, fazendo-os dialogar com uma história totalmente nova. O Pequeno Príncipe segue o perigoso caminho da atualização do clássico e, ao mesmo tempo em que honra o original, o renova para apresentá-lo para uma nova geração.
Osborne adota uma tática curiosa para diferenciar e ao mesmo tempo acentuar as semelhanças entre velho e o novo: utiliza dois modelos bem distintos de animação para contar as duas histórias. A garotinha nerd que se torna vizinha de um velho aventureiro tem os traços desenhados por computador enquanto o conto original de Exupéry ganha viva num belíssimo stop-motion. No intervalo entre os dois, trafegam as mesmas questões. Estão lá a alucinação do deserto, a parábola moral, a fábula de ensinamento e a sutileza de um texto que costura esse modelos com graça e elegância, fundindo-os numa obra única.
O diretor evita a frase mais famosa do livro, mas o lema “o essencial é invisível aos olhos” está impregnado por todo o filme. O menino que surge do nada para transformar a vida do aviador, trazendo mais questões do que respostas, também ajuda a transformar o destino daquela garotinha, que vive sob as regras rígidas da mãe. Dito assim, parece que O Pequeno Príncipe não escapou daquela sina de obra de auto-ajuda, mas o filme usa tanta sensibilidade e inteligência para transportar para um cotidiano atual, mais crítico, as “mensagens” de Exupéry que parece levar o espectador para o verdadeiro espírito do livro. E a pureza daquilo tudo passa a fazer um imenso sentido e nem parece tão ingênua ou didática assim.
O Pequeno Príncipe ½
[Le Petit Prince, Mark Osborne, 2015]
O livro é uma obra-prima sim. O autor não tem culpa do que a mídia fez com sua obra. Se pode contestar a validade de algumas “mensagens” do autor, mas contestar a qualidade do PEQUENO PRÍNCIPE é burrice. Dizer que se trata de uma obra de auto-ajuda é pura sacanagem ou estreiteza mental. Já presenciei até idiotas completos, mas famosos e tidos como intelectuais pela mídia, colocarem Saint-Exupéry no mesmo patamar do muito medíocre Paulo Coelho. O PEQUENO PRÍNCIPE é uma obra-prima, como, por exemplo, IRACEMA de José de Alencar. Se pode criticar as visões dos autores e as escolhas que fizeram ao escreverem as duas citadas obras, mas não se pode negar a qualidade delas, obras-primas que são. Vou assistir o filme com todo interesse.
Vi o filme ontem, e o diretor não evita a frase mais famosa do livro (o essencial é invisível aos olhos”. Ela está na fala da raposa.
Acho que ele se refere a outra frase: “Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas”.