O Pequeno Quinquin

O Pequeno Quinquin incomoda muito mais do que qualquer coisa, mas até aí não é muito diferente de vários outros filmes dirigidos por Bruno Dumont, como A Humanidade ou Fora de Satã ou mesmo o mais recente Camille Claudel 1915, obras em que o diretor investiga os limites do humano sob o ponto de vista da religiosidade, seja como instrumento, seja como vítima, seja como os dois. Mas, por mais que o espectador esteja preparado para essa nova experiência, tendo visto outros trabalhos de Dumont, é difícil não se abalar com algumas das opções do cineasta para esta minissérie para a TV francesa, convertida num filme de 200 minutos exibidos em festivais de cinema e que agora chega ao circuito comercial numa iniciativa corajosa.

Ao contrário do que se poderia imaginar pela aparência de filme infantil, o “cinema” e os debates de Bruno Dumont aparecem aqui por todos os lados e estão mais firmes do que nunca. Todas as questões religiosas, todas as dúvidas espirituais, todos os conflitos, sobretudo o medo do Mal, crescem à medida que descobrimos que o pequeno Quinquin não é o protagonista do filme. Dumont utiliza a personagem para se aproximar de elementos que parecem o assombram profundamente, como se a maldade “inocente” das crianças aliviasse essa proximidade. A quantidade de atores com algum tipo de deficiência física ou mental impressiona.

O diretor parece querer incomodar e faz isso de forma mais contundente quando o espectador se percebe rindo das trapalhadas dos atores (e não necessariamente das personagens). Se o filme não exatamente explora a condição deles, também não os poupa de nada, deixando para quem assiste a responsabilidade sobre as risadas nas piadas que surgem como consequências de suas deficiências. Essas camadas secretas transformam Quinquin, numa obra perturbadora e obrigatória, que parece andar em círculos, mas sabe muito bem onde quer chegar, um terreno assustador principalmente porque Dumont deixa para o espectador interpretações tão variadas sobre a humanidade e da natureza real de suas personagens.

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[P’tit Quinquin, Bruno Dumont, 2014]

(o título é o mesmo de uma canção composta por Alexandre Desrrousseaux, em 1853, escrita na língua de Picard, um dialeto próximo ao francês).

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