Há filmes que são sobre as coisas. Há outros filmes que são sobre as pessoas. E existem ainda aqueles filmes, mais raros, que se dedicam ao intervalo entre as duas. Este é o caso de O Som ao Redor, primeiro longa-metragem de ficção do pernambucano Kleber Mendonça Filho, um trabalho interessado no ruído nosso de cada dia, nas sobras e nas arestas, nos silêncios e nos detalhes que geralmente desaparecem nas ilhas de edição em favor de um cinema mais “limpo”.
A produção se passa no Recife, cidade natal do diretor, numa rua dominada por uma família, numa espécie de alegoria do coronelismo histórico nordestino, com direito a senhores de terras e capatazes. Neste cenário, o diretor instala sua câmera, disposto a registrar não exatamente as vidas de quem mora ali, mas as minúcias e pormenores que compõem seu dia a dia.
O cineasta sugere que sigamos um personagem, depois outro, depois outro, para que, em determinado momento, percebamos que, como na vida, cada protagonista é coadjuvante na vida alheia.
Em sua investigação do cotidiano, Kleber dedica tempo a diálogos de “bom dia, o que você tem feito?” e cenas corriqueiras como a brincadeira de duas meninas à beira da piscina. Detalhes que parecem insignificantes para a trama do filme –se é que “O Som ao Redor” tem propriamente uma trama–, mas que ajudam a ilustrar o registro das interferências externas a que estamos sujeitos a qualquer momento. Mais do que isso, interferências que constroem nossa rotina.
Com um elenco formado por atores locais, alguns sem experiência prévia, o cineasta potencializa a identificação do espectador com o que se passa na tela. As performances naturalistas, o jeito de falar e as entonações pernambucanas fazem do que seria um filme “com sotaque”, um filme universal, já que, no meio de gírias e acentos, a complexidade do longa traça uma conversa com a simplicidade da vida real.
Não é raro imaginar que algumas das histórias contadas pelos personagens poderiam ser histórias de vida dos próprios atores. Da mesma maneira que não seria demérito descobrir que essa sugestão de ficcionalização da realidade talvez nem exista, já que um filme como este permite múltiplas interpretações. E que esses ruídos, de certa forma, também fazem parte do projeto de O Som ao Redor.
É nesse contexto, com a mesma naturalidade impressa aos momentos mais documentais do filme, que uma espécie de saci urbano pula sobre os prédios quase invisível. É nesse mesmo registro que Kleber invade a seara dos filmes de terror, criando, com base num trabalho sonoro apurado e numa montagem marcada, cenas apavorantes, com contornos de pesadelo. Pesadelos que estão sempre presentes, sejam como mais um capítulo da rotina dos personagens, sejam na possibilidade de uma vingança adormecida.
O Som ao Redor
[O Som ao Redor, Kleber Mendonça Filho, 2012
Texto publicado originalmente no Uol.
como nordestino baiano, me sinto representado pra caralho pelo filme. suas nuances a principio não me conquistaram, seu tempo arrastado, suas pausas, quase que dando tempo pra gente digerir e refletir, bestificados pela fotografia e trilha sonora. mas depois entendi e consumi sua magnitude. um grande filme sobre o brasil atual, sobre o meio urbano, sobre coisas acumuladas que vem a superfície, cedo ou tarde.
Maria Eduarda, por que tanto mau humor? Alguém tirou sua Veja do plástico?
Querida Maria Eduarda, nenhum dos meus amigos alcoólatras DO fundo dos maiores e infinitos poços escreveria um post tão agressivo como este. Surgiro que vc passe a tomar algo, controlado ou não, legal ou não, mas tome algo. Por que esse café com leite está te prejudicando.