Histórias de amor, aventuras fantásticas, filmes cheios de efeitos especiais. A indústria de cinema do Camboja realizou mais de 400 longas entre 1960 e 1975. Os atores viraram supercelebridades e cineastas e produtores ganharam muito dinheiro. Mas o mercado cinematográfico local não resistiu à ascensão do violento Khmer Vermelho, o partido comunista, ao poder. O diretor Davy Chou resgata a história do cinema cambojano através dos depoimentos dos poucos personagens que sobreviveram a um dos maiores massacres culturais do planeta.
Utilizando um modelo clássico de documentário, Chou organiza os fatos em ordem cronológica e utiliza as entrevistas como fio narrativo. Os depoimentos ajudam o espectador a dar dimensão ao fenômeno que era a cinematografia cambojana à medida que contextualiza a situação política a partir da virada para os anos 70, quando o Khmer Vermelho começou a avançar do interior para a capital. A história é contada sem a ajuda de imagens de época. Da vasta produção realizada no país, sobraram cerca de 30 filmes, em péssimas condições.
Chou utiliza a falta de arquivo com inteligência. Ele constrói a narrativa com fotos, músicas sem vídeo e usa principalmente a memória dos personagens que viveram a fase de ouro do cinema do Camboja. O diretor leva a maior estrela do passado, Ly Saveth, para o local onde rodou um longa 40 anos antes, mas não saiu da memória dos moradores da região.
Diretores viram contadores de histórias, relembrando tramas de filmes antigos, como se a tradição oral fosse o único recurso de preservação. No melhor dos depoimentos, um antigo produtor narra a história de um filme repleto de efeitos visuais e sua imagem é multiplicada na tela, com versões de si mesmo ocupando o mesmo quadro.
O tom de nostalgia, presente em todas as entrevistas, ganha mais força na cena final. Imagens de alguns dos filmes citados ao longo do documentário, inclusive cenas narradas pelos personagens, são projetadas numa parede de tijolos, que esconde as imperfeições das cópias que sobraram das cópias. É quando o espectador vê materializada a obra daquelas pessoas da maneira mais pura possível, sem as marcas da tragédia que matou centenas de profissionais e levou grande parte da memória do cinema de um país.
O Sono Dourado
[Le Sommeil d’Or, Davy Chou, 2011]