O TEMPO DE CADA UM

O clichê do peixe para filhos de pais famosos nem sempre funciona, mas este não parece ser o caso de Rebecca Miller. Pelo menos é o que indica este seu segundo filme. A diretora e roteirista é filha de um dos maiores dramaturgos norte-americanos, Arthur Miller, autor de As Bruxas de Salem. Rebecca, que ainda por cima é casada com o grande Daniel Day-Lewis, adaptou para o cinema contos de seu próprio livro, compondo um painel do mundo feminino, que ao mesmo tempo é universal e particular. O Tempo de Cada Um transita entre a franqueza amarga e a doçura da doação com propriedade ao abrir fendas no tempo e no espaço para contar a história de três mulheres. O equilíbrio que a Rebecca consegue no filme é difícil: exala tanto esforço e dedicação quanto parece simples. Delia, Greta e Paula parecem homenagens à alma da mulher, mesmo que esta afirmação pareça chavão.

As três protagonistas têm tantas nuances quanto seriam improváveis compor para suas passagens – de cerca de meia hora cada – na tela. Todas, cada uma a sua maneira, em sua velocidade pessoal, entram numa espécie de busca pela liberdade. Todas, de certa forma, querem se livrar um pouco de si mesmas e projetar suas vidas para um algo mais de difícil explicação. Todas se vêem presas ou numa rotina castradora, ou numa condição insatisfatória, ou num marasmo de que querem se ver livres. O diferencial do filme é a sutileza do toque de Rebecca, que consegue criar histórias completamente originais, com posicionamentos sociais apresentados de forma tão delicada que é impossível não ser convencido por eles. A diretora, que se associou a uma série de mulheres técnicas para realizar seu longa, capricha nas imagens, fortes e apaixonadas, consegue fazer uma edição fora do convencional, e parece beijar o espectador com uma trilha instrumental tão doce.

Mas seria injusto escrever sobre O Tempo de Cada Um sem mencionar três nomes. O primeiro deles é o de Kyra Sedgwick, irretocável como Delia, uma mulher do interior dos EUA, forte, safada e triste. Um papel difícil. Uma mãe de família completamente responsável e cheia de defeitos imperdoáveis, que Kyra conduz com desenvoltura. O segundo é o da musa do cinema independente norte-americano, Parker Posey. Sua Greta é a mais volúvel das três protagonistas. Ela não tem a intensidade de Delia e nem a doçura de Paula, mas sua instabilidade poderia resultar na fragilidade de sua interpretação. Parker, no entanto, demonstra extrema segurança nos vacilos de sua personagem. Por fim, Fairuza Balk consegue seu papel mais normal sob a direção de Rebecca Miller. A esquisitinha de rosto marcante é uma menina quase ingênua, quase infantil, justamente o contrário do que sua aparência de moderninha poderia apontar. Todas as três atrizes parecem estar em seus melhores momentos na tela. Mas não importa que isso não seja verdade. As personagens guardam incoerências internas e defeitos graves, mas são, todas, absolutamente puras. E, aqui, pureza não é ingenuidade, mas afirmação da essência. Rebecca Miller nos entrega uma verdade com a qual sempre esquecemos de nos confrontar: as pessoas não são apenas uma coisa.

O Tempo de Cada Um
Personal Velocity: Three Portraits, EUA, 2002.
Direção e Roteiro: Rebecca Miller.
Elenco: Kyra Sedgwick, Parker Posey, Fairuza Balk, Tim Guinee, Wallace Shawn, Lou Taylor Pucci, Mara Hobel, David Warshofsky, Seth Gilliam, Joel de la Fuente, Leo Fitzpatrick, Tim Guinee, Patti D’Arbanville, Ben Shenkman, Brian Tarantina, David Patrick Kelly.
Produção: Alexis Alexanian, Lemore Syvan e Gary Winick. Fotografia: Ellen Kuras. Edição: Sabine Hoffmann. Direção de Arte: Judy Becker. Música: Michael Rohatyn. Figurinos: Marie Abma.

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