Antes do Pôr-do-Sol, de Richard Linklater
É um filme de blá-blá-blá mesmo, sem vergonha disso. Porque não parece necessário se ter vergonha das palavras. E Linklater não tem a mínima. Apóia seu filme inteiro no texto e praticamente se ausenta de uma embalagem mais visível. Não há preocupação formal ou em fechar contornos. Nasceu para ser pequeno. E é grande por causa disso. Merecia estar entre os melhores filmes e nas listas de direção, atriz e canção (qual quer uma das três – ou todas).
O Aviador, de Martin Scorsese
Suntuoso. Menos no dinheiro gasto nele, mais na excelência que toma forma na tela. Se o tom azulado incomoda, a maneira como Scorsese dispõe os acontecimentos que formataram a história de Hughes, reflexo da recente história da América, causam um certo incômodo necessário. Scorsese abusa da beleza dos planos quando o assunto é mostrar o retratado como o homem só, triste e doente que ele guardava para si. Todas as cenas na sala de projeção de Hughes são genialmente fotografadas. Deveria ter aparecido entre os indicados para maquiagem e efeitos visuais.
Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças,de Michael Gondry
Revela um autor romântico, que celebra, de sua maneira pessoal, o amor de um por outro. Autor tão embebido pelo tema que se torna relapso ao adotar lugares tão comuns quanto os que o espectador é forçado a recordar. O filme reproduz, apartado o disfarce, a idéia de amor maior que tudo, protótipo de qualquer historinha que embala aqueles livros de bolso que minha tia gostava de comprar na banca de revista. Fez falta na lista de montagem e na de trilha sonora.
A Casa das Adagas Voadoras, de Zhang Yimou
Depois do absolutamente fake Herói, Zhang Yimou finalmente acerta a mão ao voltar ao universo das artes marciais e da história da China. Se o filme anterior apelava para a abstração visual para conquistar um público de gigantes, agora o foco é numa pequena história, bem contada e com efeitos menos espetaculares e mais críveis.
Poderia ter sido lembrado entre as direções de arte, figurinos e os filmes estrangeiro.
Closer – Perto Demais, de Mike Nichols
Na ânsia de causar impacto com os temas já citados aqui, Marber apelou para lugares comuns como os diálogos com respostas rápidas e engraçadinhas ou a aparentemente ousada decisão de verbalizar nomes chulos para órgãos, personas e ações sexuais ou palavrões. Pouco para um filme inteiro, onde a direção se acomodou (ou se acovardou) na adaptação da linguagem do texto original, resumindo a tradução à reprodução. O que ganhou já é está bom demais.
Colateral, de Michael Mann
Os personagens estão enjaulados nos limites do veículo, imersos na imensidão de uma Los Angeles noturna raramente vista no cinema. São um ponto mínimo no mapa. Eles estão lá e não estão em lugar nenhum, o que cria uma experiência curiosa no deslocamento espacial da dupla. À medida que o relógio anda, a conversa entre os dois se torna mais próxima e ganha proporções filosóficas. A intimidade entre os estranhos começa a parecer calculada, esquematizada, muito pensada. A fotografia, maior mérito do filme, faz falta.
Diários de Motocicleta, de Walter Salles
A idéia de uma “viagem transformadora” é um recurso bastante usual em qualquer narrativa, seja cinematográfica ou não. Nada muito original, mas também nada de irreal. Parece bem mais honesto que os outros filme de Salles, já que desde o início há a intenção clara de mostrar alguém que ainda é um rascunho do homem que viria a ser. Sem dúvida, faltou prestigiar a performance de Rodrigo de la Serna. A trilha e a fotografia também seriam boas indicações.
Em Busca da Terra do Nunca, de Marc Forster
Tenta forçar a barra e transformar Barrie num personagem mais apaixonante do que deve ter realmente sido, abusa da sua identificação com as criancinhas fofas e explora sua essência infantil. Quer ser encantador a todo custo. E, por isso, o diretor Marc Foster passa quase duas horas tentando ser Tim Burton e explorar os limites entre a fantasia e a realidade. Não merece nada, além da direção de arte.
Eu, Robô, de Alex Proyas
O roteiro abre espaço para que o ator destile as piadas mais imbecis dos últimos tempos. Will Smith parece tão boçal e sem graça que apenas ganha credibilidade quando sua parceira está em cena. Bridget Moynahan é tão ruim que não há possível comparação com qualquer interpretação feminina neste ano. A direção de arte poderia ser uma bela indicação.
O Expresso Polar, de Robert Zemeckis
O mérito deveria ser a revolução visual, mas isso parece bem pouco para um filme tão antigo: o longa se ergue na formação da coragem e da liderança nos jovens coraçõezinhos de seus principais personagens. Só me parece justa a indicação para melhor som.
Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban, de Alfonso Cuarón
O mundo não é mais tão colorido e o esplendor visual pode vir da figura macabra de um dementador, a nova criatura mágica criada por Rowling. Cuarón foi responsável por uma quase-dicotomia: é o mais adolescente dos três filmes. E também é o longa mais adulto. Mistérios de quem está crescendo. Não entendo indicar o John Williams de novo por uma suíte.
Homem-Aranha 2, de Sam Raimi
Na melhor cena do filme, o herói, sem máscara, mostra porque é o mais popular do planeta. O homem comum, o cara da esquina. A identificação do espectador e, antes dele, do leitor com o Homem-Aranha vem da sua natureza falível, próxima, quase suburbana. O herói que surge em meio ao povo. Sam Raimi é um diretor de talento. Muito talento. Nos dois filmes que fez sobre o herói, ele abraça sem concessões o espírito que Stan Lee embutiu ao aracnídeo. Se não houvesse o ranço com as HQs, estaria na lista de filme, direção, atriz coadjuvante (Rosemary Harris) e roteiro adaptado.
Os Incríveis, de Brad Bird
Delicioso exemplar da criatividade da Pixar. Mais um. Roteiro inteligente, engraçado, personagens bem construídos, situações até difíceis de algumas crianças entenderem, e tecnicamente impressionante. Indicar o roteiro parece exagero, mas o filme poderia aparecer entre as melhores montagens.
Mar Adentro, de Alejandro Amenábar
Amenábar, melhor diretor que nunca, dribla com grande propriedade as iscas deixadas pelo clichê e, em vez de fazer um grande panfleto ou de carregar nas tintas de épico pessoal redentor, realizou o filme mais bonito do ano. O mais contraditório é que se trata de um filme sobre a morte que sabe bem como defender a vida. Pra começar, Javier Bardem deveria ser o melhor ator do ano. Depois, o filme deveria estar entre os indicados na categoria principal e nas de direção, atriz coadjuvante (a ótima Manuela), trilha sonora e roteiro original.
Maria Cheia de Graça, de Joshua Marston
Examina com distanciamento político, social e religioso os caminhos do imigrante ilegal e do homem comum em busca de alguma coisa melhor. O diretor é norte-americano, mas dribla a visão viciada da questão. A protagonista Catalina Sandino Moreno, linda, está perfeita. Seria exagero mais que o filme conseguiu.
Menina de Ouro, de Clint Eastwood
Talvez seja justo dar um segundo Oscar para Clint Eastwood. A direção de Menina de Ouro é belíssima, embora Clint trabalhe em cima de um roteiro que chafurda na estereotipia quase que o tempo inteiro. O texto não é lá grande coisa e a narração em off, desnecessária, de Morgan Freeman é uma sucessão de frases feitas. Mas o que menos importa é a história que se conta aqui, mas o tratamento que ela ganhou. Faltou aparecer na lista das melhores montagem e na de trilhas. Morgan Freeman, meu amigo, tá bom de você arrumar outro papel.
A Paixão de Cristo, de Mel Gibson
Difícil levar a sério alguém que precisa espancar seu próprio deus para apontar sua verdade. Difícil mesmo é acreditar nas intenções conciliatórias de alguém que baniu homossexuais do elenco e da equipe técnica de seu filme. Mel Gibson é tão autoritário quanto George W. Bush na sua invasão ao Iraque. É tão inescrupuloso quanto o policial torturador que espanca sua vítima até que ela confesse pelo crime que nunca cometeu. Maquiagem. Que deve ter custado caro.
Ray, de Taylor Hackford
Se existe um mérito na biografia cinematográfica de Ray Charles é justamente mostrar sem muitos pudores o músico como junkie e com certas doses de mau caratismo. Mas Taylor Hackford parece acreditar que finais têm que parecer finais. O filme quer terminar de bem com todos, fechar questões, aparar arestas. A cena onde Ray Charles faz as pazes com os fantasmas de sua família é particulatmente constrangedora. Não merece muito mais que a indicação de Jamie Foxx.
Shrek 2, de Andrew Adamson
É tão bom quanto o primeiro, mas confesso que questiono se isso não é pouco. Novamente vem o delicioso sarcasmo de escolhas como colocar a Fada Madrinha no papel de vilã ou fazer um Gato de Botas impressionantemente bem resolvido (Antonio Banderas na sua melhor forma desde Almodóvar). Ora, Antonio Banderas está perfeito.
Sideways, de Alexander Payne
A princípio, parece um exemplo típico do filme independente norte-americano que faz mais pose de que tem algo a dizer. Mas isso muda e Alexander Payne, mais uma vez, reflete sobre a solidão e a significação. A rainha do filme é Virginia Madsen, velha, linda e boa atriz. A trilha de Rolfe Kent é bem boa.
Tróia, de Wolfgang Petersen
Tirando o fato de que seus protagonistas resolveram tirar férias da arte de interpretar justamente durante a gravação das cenas do filme, Tróia até que tem seus bons momentos. A luta que abre o filme é empolgante, com um salto fatal provavelmente ajudado pelos computadores. Cortesia de Wolfgang Petersen, que já foi muito melhor antes de se entregar à máquina hollywoodiana. Não, nem os figurinos.
A Vila, de M. Night Shyamalan
Seus defensores enxergam no filme uma crítica à formação do povo norte-americano, que versa sobre como este povo foi construído sobre terreno pantanoso, idéias frágéis, alienação. Pode até ser. Mas Shyamalan se empenha com tanta dedicação a sua criação, que se aparta de sua trama para nos revelar, ainda que sem querer, o processo. Existe uma necessidade quase que obrigatória de se explicar em texto o que está acontecendo. Ora, se falta consistência à tentativa de mensagem de uma trama mal costurada, sobra o quê? Concorre no único quesito que, a meu ver, é merecido.
A Voz do Coração, de Christophe Baratier
Tudo é muito bonitinho, arrumadinho, encantadorzinho, com muita música, composta pelo próprio diretor. E a linha segue sem criatividade até o clímax maior, que reprisa uma dezenas de filmes, suprindo sedes de justiça e enchendo nosso peito de emoção. Oh, capitain, my capitain…. Ops, este é outro filme… Por mim, não concorreria a nada.