Phoenix

A cena final de Phoenix, de Christian Petzold, é matadora. Ela explica, catalisa e ratifica um filme que leva a sério uma história que parece inacreditável a fim de louvar o melodrama como forma de arte. A verdade é que o romance Le Retour des Cendres facilmente poderia ter virado filme nas mãos de Douglas Sirk, talvez o maior nome do gênero no cinema. Quando foi escrito, em 1961, a Europa ainda não tinha se recuperado do fantasma da Segunda Guerra Mundial. Eram anos de reconstrução não apenas para a história, mas para a arte e para as pessoas. Ambas abraçavam o melodrama como forma de expurgo e bálsamo necessário antes de uma transformação maior.

O livro de Hubert Monteilhet tem como protagonista uma mulher que tenta reconstituir a vida que perdeu no conflito. Élisabeth passou dois anos num campo de concentração e saiu de lá com o rosto completamente deformado, escondido sob faixas, mas dona de uma fortuna considerável, herança de família. Quando encontra o marido, que acredita que ela esteja morta e não a reconhece, o homem que Élisabeth ama faz uma proposta dolorosa para aquela mulher que ele acha que “parece vagamente sua esposa”: que ela finja ser sua “falecida” mulher para que ele consiga colocar as mãos no dinheiro. Parece spoiler, mas a história se concentra muito mais no que há por trás e no que vem em decorrência disso.

Este fartíssimo material melodramático é a base de Phoenix, onde a personagem mudou de nome. Nelly aceita a farsa proposta pelo marido e é exatamente isso que interessa ao cineasta alemão, que reprisa a parceria com os atores Nina Hoss e Ronald Zehrfeld, com quem tinha trabalhado em Barbara. E há ainda a excelente interpretação de outra Nina, Kunzendorf, como a mulher que ajuda a protagonista. Petzold opera como um fiel discípulo de Sirk, emprestando substância a cada um dos momentos com alto potencial rocambolesco da história com soluções relativamente simples, como, por exemplo, nunca mostrar de fato como era o antigo rosto de Nelly. O comprometimento dos atores é essencial para que a experiência funcione. Zehrfeld adiciona algo mais à mistura com uma performance em que nunca se tem plena certeza das verdadeiras intenções de sua personagem, que pode ou não ter denunciado a esposa judia aos nazistas.

Essa fidelidade ao espírito do romance ressalta que a opção do diretor é dar força dramática ao filme. Cada vez que Nelly se submete a alguma humilhação imposta pelo marido, Petzold mostra que está investigando os limites daquela mulher, namorando ele também os limites do melodrama. Como ela, que se refugia numa idealização do passado que a traz algum conforto, o cineasta recorre a um “cinema de antigamente” para encontrar a maneira mais concreta de validar algumas de suas ideias. O modelo de thriller romântico funciona perfeitamente para equilibrar a tensão de um embate emocional em que tudo pode acontecer. E, numa leitura ainda mais aprofundada, Petzold parece perguntar se a volta dos presos nos campos de concentração não traria a memória de um passado indesejado de um tempo de horror. Phoenix não busca explicações, mas incomoda por abrir as feridas.

Phoenix EstrelinhaEstrelinhaEstrelinha½
[Phoenix, Christian Petzold, 2014]

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