Poltergeist, o Fenômeno 2015

A intenção deste texto nunca foi alimentar o ranço saudosista com que geralmente se julga como pior o que é produzido nos dias de hoje em comparação com o que se fez décadas atrás, sobretudo em se tratando de remakes. Mas é bem difícil não sentir uma imensa nostalgia de tudo o que o primeiro Poltergeist, o Fenômeno conseguia ser depois de sair de uma sessão desta refilmagem/reboot comandada por Gil Kenan. E o maior pecado do novo filme é justamente passar irresponsavelmente apressado por tudo o que o longa original conquistou para chegar na sequência final “nova”, que deveria ser seu trunfo e seu diferencial, mas é sua vergonha.

Para começar, no filme de 1982, Steven Spielberg gastou muito tempo com a ambientação. A cena inicial daquele Poltergeist, o Fenômeno é fundamental para introduzir o espectador na maldição da família Freeling. Descobrimos junto com os pais e os irmãos que existe algo de errado com Carol Anne. Alguma coisa que só vai ser explicada ao longo do filme, que antes se dedica a apresentar aqueles americanos de classe média. E como nos melhores trabalhos de Spielberg, todas as personagens são introduzidas com bastante carinho à medida que a história vai se desenhando.

O novo filme abre mão de todo esse encanto. O casal vivido por Sam Rockwell e Rosemarie DeWitt, ambos bons atores, desaparece na comparação com as personagens criados por Craig T. Nelson e JoBeth Williams, estupidamente simples e felizes e levemente libertários, ainda sob o efeito dos resquícios da década de 70. As interpretações da dupla original namoram com o patético e o exagero, o que reforça sua humanidade, enquanto Rockwell e DeWitt apelam para um realismo que achata qualquer tentativa de deixar suas personagens mais complexas.

Poltergeist, o Fenômeno 1982

Existe ainda um descaso com Madison, a Carol Anne desta segunda versão. Ao contrário da protagonista encantadora/assustadora criada por Heather O’Rourke, que tem sua relação com os poltergeists delineada em algumas cenas fundamentais, como a das cadeiras da cozinha ou todos os momentos em que está em frente à TV, Maddie mal aparece na tela. Difícil lembrar inclusive do rosto dela, quanto mais se identificar com a menina. A pressa em levá-la para o outro lado e chegar num material realmente inédito neste filme novo é tanta que até a antológica sequência com a árvore ganha uma versão diminuta.

Kenan simplesmente dá tempo para o espectador se instalar, o que é uma preocupação principal para Spielberg. Apesar de ter assinado o longa original como roteirista e produtor, deixando o crédito de direção para Tobe Hooper, Steven Spielberg foi quem efetivamente comandou as filmagens, presente no set todos os dias e dirigindo os atores. Sua mão é que dá um corpo diferente ao Poltergeist de 1982, que ultrapassa as barreiras do filme de terror. Kenan, que já mostrou talento no ótimo A Casa Monstro, parecia ansioso para dar sua assinatura ao novo filme, mas abandonou o, com o perdão do trocadilho, espírito do primeiro filme.

A chegada da parapsicóloga vivida por Jane Adams, uma atriz que sempre parece estar pronta para desmoronar, dá alguma vida ao remake, mas, mais uma vez, Kenan não consegue criar a intimidade entre a personagem e a família, ao contrário do que Spielberg fez com Beatrice Straight há 30 anos. A “reencarnação” de Tangina, agora na pele de Jarred Harris, tenta reeditar aquele algo ridículo que a personagem carregava, mas o diretor parece que não entendeu que ela ria de si mesma e cria uma mutação deformada, arrogante e sem qualquer simpatia que deixa saudade de Zelda Rubinstein.

Quando o filme chega, finalmente, ao ponto que Kenan, e talvez o produtor executivo Sam Raimi, pretendem, pouco se salva além de algumas soluções visuais. Mas aí surge aquela dúvida: o melhor é mostrar ou insinuar, como Hooper e Spielberg fizeram no original? Aquele Poltergeist, o Fenômeno que assustava ao mesmo tempo em que era charmosamente desajeitado, namorando com o humor sem deixar de tratar o tema com respeito, fez um herdeiro que elimina esse respiro, entrega as coisas no piloto automático e pesa a mão na história para, no final, jogar tudo pro alto e tentar fazer graça, sem graça. E nem tem trilha do Jerry Goldsmith. A cena que encerra o filme, depois dos primeiros créditos, dá vergonha.

Poltergeist – o Fenômeno EstrelinhaEstrelinhaEstrelinhaEstrelinha
[Poltergeist, Tobe Hooper, 1982]

Poltergeist – o Fenômeno Estrelinha½
[Poltergeist, Gil Kenan, 2015]

Comentários

comentários

19 comentários sobre “Poltergeist, o Fenômeno”

  1. A animação “A Casa Monstro” é um horror de ruim! Não poderia ser diferente agora, pelos comentários.

  2. Dificilmente um remake de terror/ficção dá certo a não ser que seja um diretor/roteirista muito criativo e tenha entendido completamente o filme original. Evil dead, Carrie, as infinitas continuações (Premonição, Jogos mortais), e agora esse Poltergeist comprovam isso. Um filme que passou despercebido e estava no netflix até pouco tempo, (não está mais, ja conferi) é a continuação (!?) de Enigma do outro mundo, (tambem de 1982), que aqui se chama A Coisa, realmente muito bom, pelo menos gostei bastante.
    P.S. -O filme de 1982 tinha o titulo original de The Thing (A coisa) e aqui se chamou Enigma do outro mundo.
    O “remake” de 2011 se chama tambem The Thing, mas no Brasil ganhou o nome original A Coisa. Muita gente se confunde com isso.

    1. Mas o The Thing mais recente nem é remake, pois retrata os fatos da estação norueguesa, os fatos que levaram ao encontro da criatura com os norte-americanos mostrados no filme da década de 80. E concordo contigo, o The Thing mais recente é um filme bem legal, honrou a versão de 80.

  3. Poltergeist pra mim sempre foi um clássico do terror, assisti várias vezes desde que assisti pela primeira vez num SuperCine quando eu tinha 10 anos.
    Um ponto deste filme que muita gente vê de forma errada, muita gente diz que Carol Anne ficou presa na TV, não, Carol Anne foi para o ‘além’ e seu canal de comunicação era a TV fora do ar. Quem é espiritualista sabe bem disso.

  4. Essa refilmagem dá vergonha , assisti sabendo que foi um filme feito as pressas sem dá o valor devido aos personagens, nem deve ser classificado como terror, a historia foi totalmente desvirtuada.
    O primeiro marcou historia, foi bem elaborado como está bem explicado na matéria acima tenta fazer graça sem graça, dá vergonha!
    Assistam a primeira versão que vale muito apena! Ir ao cinema ver essa porcaria não vale apena!

  5. Mais um exemplo de remake que tenta estragar o filme original; Por que fazer remake? Que falta de criatividade !!!!

  6. Essa refilmagem é uma piada….não devia nem ser classificado como terror, as pessoas davam mais risadas no cinema que eu fui do que aparentavam estar tensas. Se tiver em dúvida entre dormir e ir ao cinema ver esse filme, escolha um bom travesseiro e seja feliz.

  7. Excelente crítica. Adorei! O problema dessa “correria” está presente não só nos cinemas como nas novelas brasileiras, por exemplo. Os autores e diretores não dão mais aquele tempo necessário para que os telespectadores “sintam” a história; a pulsação do momento. Tudo tem começar com violência, com gritaria, com reboliço e a gente não sente o momento. Lucélia Santos comentou exatamente isso numa recente entrevista. Ela disse que não tinha mais tempo para sentir as suas personagens. Incrível, mas o Brasil copia Hollywood, que não está bem também, dá no que dá. Fazia tempo que eu queria que alguém pusesse no papel o que essa crítica colocou. Assim como nossas novelas, o novo Poltergeist está fadado ao fracasso. Por que? Simples: cansou demais o telespectador. Grato pelo espaço.

  8. O primeiro filme foi épico pra mim, porque me deixou tão impressionada, tão transtornada, que fiquei dias com medo de dormir e, pior: de assistir TV. Eu era fã de filmes e livros de terror, curtia tudo do gênero, me transformei radicalmente depois de Poltergeist, juro. Nem quero conferir as diferenças, pra não despertar de novo aquele pavor que Spielberg me causou, tão bem-feita foi sua obra em 1982.

    1. Comigo também, Poltergeist o original traumatizou a minha vida a ponto de eu desenvolver fobias. Hoje considero o melhor filme de terror que eu já vi, pois nenhum outro me deixou do mesmo jeito. A unica diferença foi que Poltergeist em vez de me afastar dos filmes de terror me aproximou a eles (estranho, né).

  9. Toda refilmagem tem suas adaptações para os dias atuais. Se fosse para copiar descaradamente cada vírgula, nem precisaria uma refilmagem, apenas pegávamos o filme original e apenas exibia novamente com outro nome.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *