Todos os filmes de Karim Aïnouz – à exceção talvez do primeiro, Madame Satã – trabalham com aspectos de uma mesma questão: o desenraizamento, a sensação de não pertencer mais a um determinado lugar ou estilo de vida. Em maior ou menor grau, os protagonistas dos quatros longas que o cineasta cearense dirigiu desde então lidam com o conflito de desconhecer seus próximos passos. Esse sentimento pode ser fruto de uma vida errante pelas estradas do interior do país, como também pode surgir das mais variadas situações, como o fim de um casamento ou uma volta forçada para a terra natal.
Com esta última premissa, Aïnouz nos entregou aquela que talvez seja sua obra-prima, O Céu de Suely, um filme sobre uma mulher que não suporta a ideia de que mais uma vez está aprisionada no lugar e na vida que havia abandonado tempo atrás. Uma história com um poder simbólico tão forte que ecoa sobre praticamente tudo o que o diretor assinou nos últimos oito anos – e que sempre será motivo para comparação com cada nova obra do cineasta. Há ecos deste filme inclusive em Praia do Futuro, o mais recente trabalho de Aïnouz, um projeto que está em gestação há quase tanto tempo quanto seu filme mais celebrado tem de idade.
Aqui, o motivo para partir é muito semelhante: como Hermila, Donato não acha mais espaço para uma vida plena em Fortaleza. Ele é um salva-vidas. Resgata banhistas que se afogam, um trabalho essencialmente masculino que o transforma num herói e num modelo para o irmão. O encontro com Konrad, um alemão em visita ao Brasil, abre não apenas a possibilidade do exercício de sua sexualidade reprimida, mas representa a chance de reconstruir toda sua relação com o mundo a partir do anonimato. Anonimato onde os protagonistas de O Céu de Suely, O Abismo Prateado e Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo também se refugiam.
Karim Aïnouz filma essa busca desesperada do protagonista por uma nova vida alternando cortes brutos (de cenas viris de sexo gay, que pouco mostram, sempre aprisionadas em closes tensos, mas muito revelam sobre o tom que o cineasta pretende para seu filme) com cenas longas (prolongadas até as imagens ganharem outro sentido, como se o filme quisesse assim transformar as coisas e anestesiar as dores do personagem). Essa concepção imagética é o que Praia do Futuro tem de melhor, herança direta do mais bem resolvido filme do cineasta. Mas Aïnouz prefere deixar os personagens sempre distantes, o que não facilita nosso relacionamento com eles, muito menos quando o filme sofre uma ruptura drástica, espacial e narrativa.
A passagem de tempo interrompe tanto a costura da relação entre os irmãos quanto a da relação entre os amantes, nenhuma totalmente desenvolvida, assim como passa por cima de aspectos importantes do próprio desenho do personagem. Wagner Moura, que parece cheio de vida quando seu personagem ainda está preso às convenções, definha, desaparece quando Donato teoricamente deveria estar pleno. Já Jesuíta Barbosa, que só surge no terceiro e último capítulo da história, aparece cheio de vigor para defender um personagem que precisava ter sido melhor definido lá atrás. Essa dicotomia talvez seja a melhor maneira para classificar uma fuga frustrada, que sacrificou tantos carinhos, carinhos que o espectador foi privado de ver, que pouco ou nada foram insinuados. Mas talvez essa seja a única maneira que o cineasta encontrou para manifestar a vida de privações do personagem: a gelidez germânica e as memórias que guarda para si podem ser o esconderijo mais adequado pra que Donato possa se proteger.
Praia do Futuro
[Praia do Futuro, Karim Aïnouz, 2014]
Fala-se muito de Wagner, concordo quando destaca-se a construção do seu personagem, mas para mim muito mais do que a polemica gay, a presença dessa força chamada Jesuíta Barbosa é o que vale o filme. Um olhar que vale por muitos textos.
Chico, não sei se ele não encontra mais espaço e sai de Fortaleza. Eu acho que ele vai. Indo, ele descobre que cabe. Ele nem sabia que cabia ali, daquela forma. É um novo mergulho. Sem saber. E não acho que ele se esconda, que busque o anonimato. É decorrência das escolhas. Que ele nem sabia que sabia. O último plano, das motos, pra mim, é dos mais bonitos do Karim. Eu gostei tanto.
Ansioso para vê-lo amanhã!
Vi o filme ontem, e concordo em 100% com a crítica. Acho que as histórias de Donato com o amante (que aliás, para mim, não ficou bem estabelecida, se eram namorados, amigos coloridos ou o que) e com o irmão poderiam ter desenvolvimento melhor, para o espectador embarcar de vez no drama da personagem. Entretanto, Wagner Moura construiu uma personagem riquíssima, que mesmo com os cortes brutos, conseguia passar uma verdade e uma humanidade, que conseguia transmitir, com o olhar, com o corpo, aquilo que não ficou bem estabelecido… O filme, apesar deste ponto falho, é muito bom, tem cenas belíssimas, e, creio, pode fazer muita gente se identificar com Donato…
O filme pode ser mediocre,mas tem tem como protagonista um bom ator ele pode se tornar interessante.
A gelidez de Donato, proposital ou não, não permitiu me relacionar e me emocionar com o filme… saí decepcionada!!! uma gelidez germânica mesmo… protegeu o protagonista, mas decepcionou uma fã do cinema de Karim.
Eu tmb senti um pouco isso faltou mostrar “mais” sobre a construção do relacionamento do Wagner com o Clemens, adorei as cenas deles juntos, achei de uma entrega incrível esses atores, fiquei com um gostinho de ‘quero mais’, aql cena do Clemens cantando p/ mim foi a melhor e logo em seguida a sequencia.
Assistí estev filme em Pré-Estreia , juntamente com o Diretor Karim .
Concordo plenamente com a crítica acima …
Gostaria de “re-assistir” com as devidas lacunas preenchidas !
Obrigado .
A gente somos inútil. Não somos destinados a termos heróis. Somos um País em desconstrução. O capitão Nascimento , suponho, irritava os políticos que são co – participes no tráfico, como o último filme do nosso herói sugeriu na cena final
JA FAZENDO PAPEL GAY JA E PECADO IMAGINE O FILME TODO
NUNCA JAMAIS VEREI ESSE PECADO