O Brasil pós-PT é um terreno fértil para semear ideias. Mas a desilusão com a esquerda não tem provocado necessariamente um reencantamento por velhos caciques. A população, pelo contrário, parece buscar nomes de “fora do mercado”, que representem ou pareçam representar novas fórmulas, que indiquem algum tipo de reformulação, um universo de possibilidades, de Marinas a Bolsonaros. No meio de tantos possíveis caminhos, nada melhor do que vender antigas vitórias para recuperar prestígios perdidos, disfarçando a vocação natural de uma peça publicitária ao eleger um protagonista que, hoje em dia, não se associa diretamente a uma tendência política.
Real – O Plano por Trás da História já começa ambicioso. O correto não seria “a história por trás do plano?”, perguntou um amiga. Seria, mas o exercício de marketing com economês domesticado quer marcar presença desde seu título. Talvez isso justifique a utilização da música de thriller norte-americano ou de rocks que tentam mostrar a crueza de um filme “sem papas na língua”, mas pop ao mesmo tempo. O problema é: o que este filme tem a dizer e para quem? Ao eleger um herói, o ex-presidente do Banco Central no governo FHC, Gustavo Franco, o longa revela suas estratégias. A primeira é: disfarçar sua condição de propaganda.
Cada centavo dos méritos e deméritos recebidos por causa da implantação do Plano Real é creditado na conta de Gustavo Franco. Segundo o filme, ele é tanto o gênio linha dura que peitou os grandes nomes da economia e da política nacional quanto o almofadinha arrogante culpado pelos revezes que a mudança da moeda provocou. Franco, interpretado por Emilio Orciollo Netto, só se refere ao real como “meu plano” ou “minha moeda”, sendo constantemente corrigido pelos nomes mais famosos desta história, FHC e Pedro Malan (“o real é a moeda do povo!”). A mensagem parece ser que é preciso um homem de pulso firme para os momentos de crise de proporções gigantescas, mas que, ao mesmo tempo, sempre haverá alguém para frear os excessos.
O recado deveria ser discreto, mas Orciollo está bem na composição de um personagem caricato. Trabalha o tempo todo no over, o que funciona perfeitamente para sua performance, ao contrário do elenco de apoio que parece ter sido escolhido apenas pelas semelhanças físicas. A exceção talvez seja Tato Gabus Mendes que parece cair como uma luva como intérprete do inóquo Pedro Malan. Bemvindo Sequeira está até engraçado como Itamar Franco, mas Norival Rizzo é uma escolha inexplicável para viver Fernando Henrique Cardoso. Inexpressivo, perde em atenção para a peruca mal instalada em sua cabeça em todas as cenas. Os créditos do diretor Rodrigo Bittencourt também não ajudam: Totalmente Inocentes, seu primeiro longa, é uma comédia que não deu muito certo para ninguém.
Os fins, no entanto, justificam os meios e alguns filmes se definem por determinadas cenas. Existe um momento, na reta final de Real, em que Franco enfrenta as perguntas de um deputado do PT numa CPI. Num enfrentamento, ele afirma para o personagem fictício (que condensa mais do que nomes, mas o que o filme entende como o “espírito” do partido) algo como “façam direito porque, se não, nós vamos ter que voltar para arrumar a casa”. Que o longa de Rodrigo Bittencourt seria uma propaganda, o próprio trailer já indicava. Mas se parecia que a “história de sucesso” do plano real fosse vender os tucanos, o negócio não é tão simples.
O filme parece ser um alerta para os novos tempos, para os novos nomes. Novos mesmo. Estamos em 2003 nas cenas finais do longa e o roteirista Mikael de Albuquerque deu um jeito de citar o “bom trabalho do juiz Sergio Moro”. Pra bom entendedor…
Real – O Plano por Trás da História
[Real – O Plano por Trás da História, Rodrigo Bittencourt, 2017]